Capítulo I - Desconcerto

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Despertei ao ouvir os pássaros cantando do outro lado da janela de meu quarto. Meus olhos ainda estavam fechados, mas pude perceber, por entre minhas finas pálpebras, a claridade de mais um novo dia. O raiar do Sol invadindo o cômodo banhava e aquecia a lateral do meu corpo virado para cima. Quanto tempo fazia que eu não tinha um sono tão bom, tão leve e tão confortável?

Depois do fim da guerra que enfrentamos contra Acnologia e o exército de Alvarez, um longo período de paz nos foi dado como recompensa. Pensei tranquilamente nessa bênção enquanto custei a me mover na cama. Desde quando meu travesseiro é tão macio, meu colchão tão aconchegante e meu edredom tão acolhedor? Dormir em dias tranquilos não tem preço!

Fui forçada a abrir minha boca para dar espaço a um bocejo involuntário, e que bocejo! Virei para o outro lado da cama, sorrindo e ainda de olhos fechados. Sim, finalmente eu estava feliz e sorrindo naturalmente, sem precisar estar me forçando a viver algo que, na verdade, não me satisfazia completamente... Perdão, Jason, agradeço pelas excelentes oportunidades que você me deu quando eu já não sabia mais o que fazer ou que rumo seguir, mas uma parte de mim também ama ser maga e de lutar do lado de meus amigos quando é preciso. E que bom que tenho amigos... Vários, Aquarius! Aliás, ainda sinto sua falta, você foi minha primeira e melhor amiga e pensar em ti me fez apertar o travesseiro em uma tentativa falha de não me emocionar.

Minha preguiça e pensamentos foram interrompidos com um incessante bater na porta do meu aposento. De início, ignorei, em seguida, cobri toda minha cabeça com parte do edredom a fim de tentar abafar o barulho. Mas que chatice! Quem poderia ser o infeliz que tem a audácia de bater infinitamente em uma porta se não o atendem?! Me levantei, irritadíssima. Caminhei em passos tão pesados que com certeza meu vizinho do apartamento de baixo ouviu o meu andar. Virei a chave na fechadura e abri a entrada abruptamente.

— Quem incomoda?! —perguntei, impaciente.
— Mas que dorminhoca! —reclamou Natsu, me encarando com os braços cruzados e uma feição emburrada.
— Lucy, eu insisti pra que fossemos embora depois de você não atender a gente mesmo com o Natsu batendo vinte e oito vezes na porta, mas não adiantou não... —explicou Happy, escondendo-se atrás da canela esquerda de seu amigo, procurando se safar dá má situação.
Cocei um pouco meus olhos na tentativa de desperta melhor.
— Argh... O que vocês querem com tanta urgência? Não dava pra virem aqui em um horário em que qualquer pessoa normal estivesse acordada? —questionei, encostando uma mão no batente da porta, um pouco acima de minha cabeça.
— Mas já são duas da tarde, Luchi! —resmungou o garoto em um tom de voz alto o suficiente para transpassar as paredes de qualquer outro apartamento do corredor. Que constrangimento!
— Para de berrar! —ordenei enquanto o puxava, pela gola de seu colete, para dentro de minha casa.

Ele entrou todo desengonçado, dando alguns pulinhos, tentando não tropeçar em seus próprios passos.

— Aye! —Happy também entrou, sorridente, voando por cima de nós dois, fazendo o som característico de suas asas de exceed.

Bati a grande madeira retangular da entrada de minha residência com minhas duas mãos para fecha-la e, assim, fiquei apoiada ali, como se estivesse a empurrando. Eu pensava com tristeza no meu amado sono de princesa que se foi, até o segundo em que escutei o barulho de alguma coisa sendo trombada, em seguida, algo caindo e quebrando. Para me recompor e aliviar o estresse, inspirei e expirei bem lentamente.

— Que bela recepção, hein. —Reclamou Dragneel, coçando sua cabeça, tentando aliviar uma pancada, sentado no chão, em uma posição de lótus desajeitada, ocupando um pouco uma lateral do tapete.

O mago do fogo estava parcialmente molhado. Cacos da louça de um jarro de flores —enfeitava a estante em cima da lareira— ainda caíam ao redor dele, assim como as flores coloridas que estavam dentro do objeto delicado. Ele passou seu cachecol em sua testa e em seus ombros para se secar.

— Não acredito que você quebrou outro jarro de flores meu... Sua parte do pagamento das missões que fizermos vai ficar comigo pra custear esses prejuízos! —alertei, apontando um indicador para o de cabelo rosa, com minha outra mão na cintura.
— Ei, vocês dois... —chamou Happy, um pouco afastado de nós, em pé no tapete, nos olhando confuso, incomodado com a troca de carinho entre seu companheiro e eu.
— Ah é?! Então a sua fica comigo por todas as vezes que eu já te salvei de várias enrascadas! —berrou ele, levantando rapidamente do chão, pisando nos pedaços quebradiços que estavam próximos, deixando cair um outro tanto que ainda estava em sua roupa, fazendo som de estalos. Me encarou com fúria, estralando os dedos ao aperta-los com força, fechando os punhos de suas mãos.
— Então estamos quites, já que estive do e ao seu lado em muitas ocasiões difíceis, seu idiota! —exclamei alto e bom som, franzindo o cenho e fechando o punho da minha mão que apontava para o mago.
— Acho que... vocês já podem parar agora, né? —sugeriu o gatinho azul, com a vozinha tremula e os olhos marejados, chegando para mais perto de mim e do dragon slayer.
— Viu só o que você fez? Fez o Happy chorar! —Natsu disse, ainda irritado, agachando para confortar seu amigo.
— Happy... —olhei na direção do exceed. Relaxei meus músculos e segui em sua direção, a fim de abraça-lo também.
— Por que vocês estão brigando? A gente acabou de chegar e... —as lágrimas começaram a escorrer em seus bigodes— viemos nos divertir, não brigar, né? —falou ao abraçar tanto o meu pescoço quanto o de Natsu.
— Mas você viu, né, Happy? Foi essa escandalosa que começou.
— Como é que é? —minha fala escapou por entre meus dentes rangendo.
— Paaaraaa! Chega, vocês dois! —implorou enquanto separava suas pequenas patas de nossos pescoços, levando-as aos seus olhos molhados— Pouco depois que a guerra acabou eu só vejo os dois assim! Ficam juntos na guilda, brigam! Vão pra missão, brigam! Aqui na casa da Lucy, brigam também! —contava o gatinho gesticulando os bracinhos de um lado para o outro com o intuito de indicar o começo do que Natsu e eu fazíamos e que, no final, acabava em briga.

Depois da fala dele, ficamos em silêncio.
Cabisbaixa, refletia que, realmente, não podia discordar que o irmão de Zeref e eu vínhamos discutindo muito naqueles últimos dias. Sim, já fazíamos isso antes, mas nunca foi como estava sendo nesse momento. Sempre brincamos um com o outro, atualmente o sentia bem mais sério.
Levei meu olhar até Natsu, ele encarava o chão tão seriamente que não o reconheci.

— Vamos, Happy. —Levantou devagar do chão.
— O que? Mas acabamos de chegar!
— Não tenho mais nada pra fazer aqui. —Respondeu serenamente ao amigo, caminhando para a saída.
— Natsu, Happy está certo, vocês acabaram de chegar. —Concordei com o gato azul. O filho de Igneel apenas parou em frente a porta, não me direcionando palavra alguma. Continuei— Peço perdão se você ficou chateado com o que falei. —Me desculpava na medida em que me levantava do tapete. Segui até ele e levei delicadamente uma mão até seu ombro direito— Venha, vamos tomar café. —Sorri.

Sem virar o rosto para mim, o matador de dragões me olhou por cima de seu ombro onde alguns de meus dedos estavam.

— Obrigado, Lucy. —Abriu a passagem e saiu, devagar e calmamente.

Ouvi o som peculiar do gatinho voando. Ele parou ao meu lado na altura de minha cabeça e me encarou com pesar.

— Também não sei o que está acontecendo, Lucy, mas vamos descobrir. —Voou para o corredor— Tchau. —Escutei sua despedida quando ele já não estava mais no meu campo de visão.

Eu permaneci estática ali, segurando a maçaneta com a porta ainda aberta, sem olhar fixamente para nada.
Apenas quando pude parar para analisar, naquele dia ele tentou entrar pela porta do meu apartamento e não sem avisar pela janela, como de costume... Natsu estava, de certa forma, diferente. Suas atitudes comigo vinham mudando de uns tempos para esse dia, de forma um tanto estranhas e eu não sabia o que estava havendo. Seria uma fase ou talvez ele estivesse amadurecendo? Alguma coisa aconteceu que eu não estava sabendo? Seja lá o que tenha sido, algo me dizia que nem mesmo ele estava se entendendo.

"Vamos descobrir a resposta para isso juntos, Natsu, eu prometo" pensei.

Estranha SinfoniaWhere stories live. Discover now