Sul: Contos do Sábio

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São Thomé das Letras
Sul de Minas Gerais, 2019

Tava brabo o rapaz. Num queria saber de falar com ninguém no caminho. Lucas era um carrapato da cidade na visão do avô. O garoto não ia pra roça havia anos. Tava sempre atarracado naquele trem de mandar mensagem pros outros. Via e fazia mil e uma coisas nesse trem. Seu Antônio, ou Tonim folclore, que era como os vizinhos o chamavam, nunca gostou disso. Dizia que o trem das mensagens era um novo tipo de pombo correio, e cagava a cabeça do menino por dentro. Era a visão de Seu Antônio.

Seus netos e seus filhos iam fazer uma visitinha pra ele, lá na sua cidade, no sul de Minas. Os dois netos, Lucas e Paulo, tavam há 5 horas dentro do carro. O mal humor já se encontrava presente no ambiente. Ficaram sentados, olhando pro nada, desde quando saíram de Contagem em rumo a São Thomé das Letras, onde Seu Tonim morava. Olhar pra janela já estava tão sem graça, que Paulo havia pegado no sono.

"Acorda seu irmão. Vamos quebrar o gelo... conversar um cadim" Pedia o Pai dos garotos. João já dirigia por tempo demais e não suportava mais o silêncio. Desde que Paulo dormiu, o clima estava esquisito.

João não deixou os meninos trazerem o celular. Disse que "um tempinho longe da tecnologia fazia bem de vez em quando". O que desagradou Lucas na hora.

"Conversar do quê?"

"Eu trouxe ocêis pra essa viagem pra gente poder passar mais tempo em família. Uma viagem só de homens, pra podermos ter mais liberdade pra conversar. E acorda o seu irmão, vamo conversar!"

"Acorda aê, Paulo." Sacudiu o irmão gêmeo e ele acordou.

"O quê?" Perguntou o gêmeo recém acordado e desnorteado.

"Vamo conversar um pouco. Quero aproveitar esse momento e ter uma conversa com os dois. Ambos já tem 17 anos, tá mais do que na hora de falar sobre sexo."

"Ah, Pai! Não! Que constrangimento!" Disse o gêmeo ranzinza, vulgo Lucas.

"Pai, num acho que precisa." Falou o gêmeo caótico, vulgo Paulo.

"Como não? Eu já transei, e tenho experiência no assunto. Tanto que fiz dois filhos." E deu uma risada viva! Sabia do constrangimento dos meninos. Achava muito engraçado, mas sabia da importância daquela conversa.

"Dois filhos que cê fez d'uma vez só. Até onde sabemos, cê pode ter transado menos que um de nós" Ironizou o gêmeo recém acordado.

"Temos que falar sobre isso. Ocêis dois tem que ter consciência sobre o que fazem. Num quero ser avô antes dos 45 anos. " Ele nem deu ouvidos aos gêmeos.

"Pai..." Paulo começou a falar antes de ser interrompido pelo Pai.

"Antes que diga que porque você é gay, e não pode ter filhos, lembre das DSTs. Não tenta fugir da conversa. E espero que ocê e o Kauê usem camisinha. Quero meu filho e meu genro protegidos. Já imaginou ocêis saírem de um encontro direto pra UPA?"

"Ele é só meu amigo."

"Tenho medo do que cê faz com esse amigo dentro do seu quarto. Até onde sei, ele pode estar desafiando as leis da biologia e tentando te engravidar." A cara de Paulo parecia tão vermelha quanto o chapolin colorado.

Restou para os dois rapazes terem uma conversa um tanto constrangedora durante o resto do caminho. Tanto que Lucas nunca ficou tão feliz ao chegar em São Thomé. O tio Roberto e o primo Kléber, que era mais velho, já tinham chegado.

"E aí, zé?!" Kléber cumprimentou um dos primos. "E aí... outro zé?" Falou com o tom de dúvida.

"Eu sou o Paulo. Ele é o Lucas. Cê é nosso primo, devia saber nos distinguir" Sempre foi uma chateação pros gêmeos que as pessoas os confundissem. E nem era tão difícil assim, qualquer um que passasse um dia com eles percebia rápido como a personalidade fazia que parecessem diferentes também na aparência física, mesmo que usassem o mesmo corte de cabelo e roupas parecidas.

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