Capítulo 7. Sonhos de Uma Noite

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Via-se nua, numa cama. Alguma coisa vinha sobre ela, e por baixo, e pelos lados. Ela se debatia, mas estava amarrada. O quarto era escuro. Uma vela ao longe acendia e os rostos das criaturas apareciam. Eram rostos como de bodes, com longos chifres brilhantes, suas bocas espumavam como que pelo desejo de terem ela para si. A barriga dela começou a brilhar. Tinha medo da luz, esta que agora iluminava todo o recinto. Agora podia ver, era a igreja que estivera na noite anterior.

As criaturas sumiram e ele via apenas a pedra adornada por velas multicores e ao fundo via diversos homens a recitar uma oração.

Na luz brilhante

A alma chora

E o dia vem

A iluminar a casa

Não chore guardiã, não chore

pois a semente

abrirá o fruto

Os mantos dos homens começaram a ficar pretos e tudo em volta estava entrando em escuridão. Então, com medo dos homens bodes, Iara acordou.

Iara estava deitada em uma cama. Sua cabeça doía devido à queda que levou. Ao passar a mão no local que bateu na queda, percebeu que agora existia uma faixa que circundava sua cabeça. Ela levantou-se e abriu a porta do quarto. Começou a descer as escadas. Dali conseguia ver uma cozinha e, mais à frente, em uma mesa, uma família em refeição. No centro da mesa encontrava-se um senhor de muitos cabelos brancos e óculos, vestindo uma camisa xadrez. Sua barba estava bem aparada e nos dedos possuía um anel que tinha uma espiral para dentro.

A mulher ao lado dele vestia um longo vestido amarelo e um grande chapéu que escondia sua face. Mais afastada, sentava-se uma menina jovial e alegre em um comprido vestido vermelho. Seus longos cabelos negros estendiam-se até o quadril e o vestido realçava seu brilho. Era uma menina que beirava os 20 anos e era muito bonita.

Iara ainda não havia percebido, mas também estava em um vestido, o seu era branco. Sabia ela que não o havia posto e tinha medo do que poderia ter acontecido. A menina acenava alegremente e pedia que Iara se sentasse à mesa.

- Com licença. - pediu Iara.

- Fique à vontade, temos bacon com ovos. Coma um pouco. - falou a menina.

Iara colocou um pouco em seu prato, estava com muita fome, não recusaria aquela comida que parecia tão boa.

- Qual o seu nome? - perguntou Iara.

- Me chamo Carla e estes são Maria e Abdias. - respondeu com imensa felicidade.

Continuaram a comer, sem mais perguntas para a convidada.

- A casa é maravilhosa. - comentou Iara.

- Sim, ela é. E bem grande. Gostou do seu quarto? - perguntou Carla.

Nesse momento, Iara não soube o que responder, tinha dormido como uma pedra. Sua resposta ficaria para depois. Naquele momento, três homens entraram na casa.

- Um bom dia a todos, companheiros. - disse um homem mais carrancudo.

- Um bom dia ao companheiro. - completaram todos os presentes. Iara não se juntou ao o coro.

Iara lembrava bem desse nome, e do homem que representava. Sentia calafrios apenas em pensar e lembrar dos acontecimentos da noite passada.

Os donos da casa começaram a deixar o local. Carla passou perto do homem carrancudo e este segurou seu braço.

- Onde está o seu chapéu? - perguntou o homem.

- Eu deixei no quarto, acabei esquecendo por lá. - comentou Carla com um leve sorrisinho.

O homem olhou impacientemente para Carla, e com as mãos fechadas, desferiu um soco nela.

- Siga as normas como são postas, use a porra do chapéu.

Iara ficou perplexa com aquela cena. Carla caiu no chão com impacto, chorando. No canto esquerdo da casa, Maria e Abdias apenas olhavam sem mexer um músculo. Iara ajudou a garota violentada a se levantar.

- Obrigada, Iara. - Carla agradeceu, ainda chorando.

- Vamos parar com isso. Saiam todos. Preciso falar com Iara a sós. - ordenou o homem, grosseiramente.

Todos se retiraram da sala, inclusive os outros dois homens que vieram.

- Iara, espero que tenha gostado da estadia. - comentou Ramon com um leve toque de sutileza na voz, bem diferente de segundos antes.

- Estava muito agradável, até a sua chegada. - Iara falou com fúria.

- Permita-me apresentar: Me chamo Ramon.

O careca Ramon, foi assim que Iara pensou naquele momento. Estava enfurecida com ele. Se fosse em qualquer situação, na rua, como policial que ela era, não deixaria ele sair ileso daquela agressão contra Carla sem levar uns bons tabefes. O corpo de Ramon era forte. Naquela manhã, vestia uma camisa em cor amarela com bolsos, lembrava uma polo, modelo muito popular na época.

- Que bom, Ramon. É legal saber disso, mas preciso ir embora. Peço que me deixe ir, pois sou uma policial federal. - falou Iara, fitando Ramon nos olhos.

- Ah, sim. Infelizmente, você não poderá sair daqui. E quanto ao fato de você ser policial, temo ter uma solução. - concluiu Ramon, com um sarcasmo na fala, o que deixou Iara enraivecida por dentro.

- Vocês não podem fazer isso. - afirmou a investigadora.

- Podemos, sim. E você irá nos ajudar. Tenho aqui papéis que serão devidamente assinados por você. - falou Ramon e entregou os papéis nas mãos dela.

Iara olhou rapidamente os escritos. A maioria deles atestavam que a Fazenda Santa estava em conformidade com a lei e que a devida policial iria ficar por mais tempo, para investigar mais locais.

- E porque você pensa que eu iria assinar essa coisa? - indagou Iara, após a leitura.

- Boa vontade, talvez!? - perguntou Ramon, sorrindo.

- Isso é uma maneira ruim de fazer isso, não!? Agredir uma mulher na frente de uma policial? Se eu estivesse com meu revólver, mataria você na mesma hora.

- Claro, não esperava que sua colaboração viesse tão facilmente. Por isso, fizemos questão de te entregar uma lembrança, da parte de seu assistente: o cabo Arthur.

Iara já tinha se esquecido desse detalhe. Junto com ela, veio um policial para auxiliar suas investigações, mas este ficou no carro na noite anterior, para o caso de acontecer algum problema. Sua captura só podia significar que essas pessoas da fazenda já sabiam da existência das investigações da polícia e como ocorreria.

- Onde ele está? O que fizeram com ele? - perguntou Iara, um tanto preocupada.

- Ele está bem, e continuará assim se você assinar os papéis. Como garantia de que não estou blefando, trouxe um presente. - falou Ramon, remexendo em seus bolsos.

Era uma caixa de presentes, embrulhada em papel com carinhas de palhaço. Iara desembrulhou o pacote e, ao abrir, vislumbrou uma cena que fez com que todo o seu café da manhã voltasse do estômago.

Um dedo arrancado recentemente, ainda com aliança. Nela estava escrito: Arthur e Daiane, juntos para sempre.

A Terrível História de Ponteville (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora