Promessas quebradas e o herdeiro de Polaris

174 15 8
                                    


— Você promete? Promete que volta? — apenas o silêncio respondeu. — Eu quero acreditar em você, mas você é um o filho de uma mulher poderosa e vingativa. Como eu posso acreditar que você vai voltar?

— Eu juro! Eu até volto pra participar da sua formatura do terceiro ano!

— humpf!

— Eu vou! Eu prometo que estarei lá.

***

E foi assim que Polo sumiu por quinze anos. E eu fiquei. O mundo tava salvo, a gente conseguiu. A vida nunca mais seria igual e naquele mesmo dia eu tive que voltar pra aula e chorar por um cara que foi embora numa estrela. 

Lá pro terceiro ano de espera, meu último da escola, eu saquei que ele não ia voltar. Que era tolo demais querer que o cara que devia reger todas divindades botaria uma havaiana e viria passar férias aqui. Dar um alô, trocar umas beijocas e voltar. Então eu desisti e segui a vida.

Fui estudar comunicação, namorei, editei o jornal da universidade. Aprendi a fazer pão e consegui um trabalho razoável como redatora Júnior em uma empresa mediana de comunicação.

***

Desde o grande cataclismo e da jóia perdida, que Vidya recuperou junto com Polo, não rolou mais nada. Nem uma sombra, nem uma visitinha divina. Ela se perguntou muitas vezes como as coisas estavam em Polaris, o planeta escondido na constelação. Essa coisa de escolhida foi mais um bico radical. Quando ela contou para mãe o que tinha acontecido pra ela sumir por três meses foi uma loucura. Primeiro ela entendeu, depois ficou brava botando a culpa toda no falecido pai. Por fim resolveu ir no túmulo dele xingar um monte. Quando voltou, disse que queria que ela seguisse em frente. E foi o que Vidya se viu fazendo. 

"Esquece e segue a vida" ela repetia muitas vezes. "Esquece porque se não você vai abrir um talho em você e essas coisas não costuram de volta". Era um saco, mas nisso tinha razão. Cada amigo que se afastou ao longo da vida doeu horrores. Mesmo que fosse por motivos alheios. Voltar a confiar tanto em alguém foi um processo longo que envolveu muitas conversas com a mãe, com a terapeuta e um caderno cheio de desabafos desconectados. Aliás, Vidya são sabia como qualquer escolhido não pararia no terapeuta. 

"Você passa meses carregando um mundo e dez divindades loucas nas costas e não quer ficar doido? E quando acaba? Como remendar o fato de que sua vida foi, durante aqueles meses, uma enxurrada de caos e loucura. E que agora você precisa voltar a andar como se não tivesse ensopada e suja?" 

Acabou apelidando a terapeuta de caminhão pipa. Porque foi ela que a ajudou a jogar água nessa sujeira e botar tudo pra andar novamente.

Apenas o namoro com Brenda não foi tocado por resquícios desses sentimentos, foram todos erros e traumas novinhos experimentados pelas duas. Ali Vidya realmente estava deixando as coisas pra trás. Nada de traumas por perdas ou perigos eminentes que nunca chegam. Foi um relacionamento feliz enquanto durou, mas a vida entrou no caminho e haviam incompatibilidades entre elas. Acabaram se separando no fim da faculdade, e Brenda foi a única que chegou a saber de toda a história de Vidya ser escolhida e as coisas que aconteceram no passado.

Aliás, Brenda ficou obcecada por isso por um tempo. Pesquisou as estrelas que representavam as divindades de Polaris e traçou um bocado de paralelos com o que andava acontecendo no mundo. Mas Vidi achava exagero. Brenda era muito supersticiosa e o fato dela ser muito ligada com astrologia sempre fazia Vidya sentir que ela levava isso muito a sério. Mas segundo ela, em mais ou menos três anos os tecidos das realidades iam se abrir de novo e ela achava que algum deles iria aproveitar para voltar à terra.

Quando se lembrou disso numa tarde de verão, tentou empurrar os pensamentos pro lado. 

"Eu tô aqui trabalhando, o semestre de 2021 tá acabando e eu não tô vendo nenhuma manifestação de deus nenhum. E que continue assim. Eu prefiro mil vezes que apareça uma vaga de redatora plena pra mim do que qualquer drama divino."
Ela repetiu isso o resto do dia e dormiu tranquila de noite.

Quando acordou o quarto estava gelado. Ela, que sempre empurra as cobertas, estava puxando elas de volta e virando um casulo de cobertas. Mexeu feito uma minhoca pra ajeitar o cobertor, deu bom dia ao urso dormindo no pé da cama e voltou a fechar os olhos..

— Que bom dia mais frio! Eu tô há 15 anos esperando você acordar enquanto eu estava aqui...

Não era pra ter nenhuma voz masculina meio rouca na casa. Muito menos urso polar roncando baixinho no pé da cama. Sentindo que ia perder a cabeça à qualquer momento, soltou um murro bem dado na fuça de Polo... ou dessa coisa adulta com cara de idiota que parecia ele. Por um instante, ficou na dúvida se não podia ser o irmão dele, ela estava muito zonza de sono. Mas como toda a família merecia, mandou outro soco, pra garantir. Qualquer um dos dois merecia dois socos.

"Polo merece por não voltar. Kali por ser um idiota" pensou. 

Ela ia explicar enquanto saia para tomar banho, mas como ele estava tentando conter o sangramento no nariz acabou não falando nada. Pisou duro no chão, pegou a toalha e ainda afirmou:

— Bom dia é o caralho.

Eu era uma escolhidaOnde histórias criam vida. Descubra agora