Reencontros em Polaris

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A porta abriu tão rápido quanto o sangue que bombeava pelo corpo de Vidya. Polo deu um pulo no sofá, assustado e Nevasca levantou a cabeça atento.

— Ei Polo! O que é esse troço com a sua mãe?

— Então... É um pouco complicado, é uma assembléia constituinte para aprovar as novas leis que vão reger o governo. É uma formalidade, apenas para coletar as assinaturas finais. Uma reunião formal simples até.

— Ha! Nada é simples com a sua mãe.

Polo suspirou e puxou os cabelos da frente do rosto. Sabia que Vidya tinha razão mais uma vez. Lamentou que tudo entre eles virava confusão, debates políticos e tensão. Mas como sabia que realmente seria difícil para ela em Polaris, resolveu explicar com toda a calma e paciência.

A conversa pessoal entre ela e Polo ficou de lado, já que passaram três dias para se atualizar sobre o que estava acontecendo e traçarem planos sobre como seria a atuação deles na Assembléia. Também decidiram que tentariam conseguir perdão para Kali, por ter liderado tropas Solares no passado, afinal de contas, ele era apenas um garoto seguindo regras. Teriam que ser cautelosos, já que a presença de Kali seria um complicador. Vidya se apresentaria como Escolhida para guiar o coração dos governantes, e teria que dar seu aval e benção. Mostrando um caminho sóbrio e justo, de união de suas culturas e costumes.

Enquanto se preparavam e discutiam, Kali e Vidya dividiram silenciosamente um mesmo sentimento de estranheza. A batalha final de Polaris e o cessar fogo que os três decretaram aconteceu há quinze anos, mas desta vez parecia que já havia passado cem anos e que nada disso pertencia mais a eles.

Para Vidya, tudo isso continuava tão estranho quanto antes. Ser o guardião espiritual de um planeta inteiro era completamente absurdo. Ainda que agora ela fosse mais velha, a responsabilidade era absurda. Parecia um sapato muito grande que ela pegou emprestado, que não servia, e ainda machucava.

No entanto, não muito tempo depois, lá estavam eles, esperando para serem teletransportados por Polo até o planeta escondido pelo brilho da estrela Polar.

***

Num piscar de olhos, estavam eles e os ursos num enorme salão. As pedras que revestiam o chão e as enormes janelas brilhavam com o entardecer pálido do dia frio que findava em polaris. Haviam guardas em roupas solenes guardando as estradas, e diversos assistentes rodeavam uma mulher trajando um vestido com um corte sóbrio e mangas longas, as feições duras emolduravam a pele amêndoa de Paccala. A imagem impecável de uma líder suprema. Quando os visitantes e Polo foram notados, todos esperaram a reação da líder. Que não olhou por mais de cinco segundos para cada um deles.

— Guardas! Por favor, encaminhem a Escolhida e Shid Kali Kastan para o isolamento.

— Shi... Mãe! Não Mãe, não precisa disso! Por favor, eles vieram com a coroa! A reunião com o Conselho é em alguns dias! Você prometeu que não faria nada!

— Caro Conselheiro Polov, agradeço a sua preocupação. Mas é na melhor das intenções que estou dando esta ordem. Você há de convir comigo que não é com tratamentos especiais que vamos estabelecer uma forte constituição e novas bases para o governo. Do qual tantas pessoas dependem. Seus convidados tem graves acusações em seus nomes! Eles serão levados para o isolamento e todos irão votar para decidir seus destinos e contribuições numa moção.

O discurso foi o suficiente para fazer o sangue de Vidya subir. Mais uma vez seu corpo respondeu mais rápido e logo ela já estava completamente transformada em urso-da-lua. Um vulto preto e enorme que deu alguns passos para chegar perto da mulher altiva. O som que saiu da boca de Vidi era grave e denso.

— Eu espero que você não tenha esquecido quem eu sou! Shid Paccala. E que não interessa quantas vezes você empine esse nariz pra cima de mim. Se passaram quinze anos... mas você continua patética e eu continuo sendo a criatura cujo poder é destronar ou destruir qualquer um que atrapalhe o caminho de Polaris...

Silêncio.

O urso pairava cambaleante sobre as patas traseiras bufando na direção da mulher.

— Escoltem os dois a um quarto de hóspedes. — disse Pacalla sem se mover, acrescentando certa suavidade na voz. — Com Guardas vigiando a saída!

***

— Vidi! Eu nem acredito! Nossa é muito revigorante ter você aqui novamente! Faziam anos que ninguém enfrentava minha mãe desse jeito!

O urso-da-lua caminhou lentamente até a cama no enorme quarto cheio de cristais, peles e paredes reflexivas. Quando ela caiu em cima do colchão, já era humana novamente.

— Foi uma merda Polo, isso sim! Sua mãe não mudou nada. E eu não sei mais fingir fazer isso. Eu nunca devia ter aceitado vir. Eu sou só uma redatora. E eu mal tô conseguindo ser o suficiente pra esse cargo. É uma piada completa eu chegar aqui botando banca.

— Mas você tá desempenhando seu papel super bem Vidi! Os conselheiros vão vibrar com seus apontamentos certeiros. Você é a Escolhida! Eles tem que te ouvir! É maravilhoso!

Kali revirou os olhos.

— Polo, dá um tempo, cara. A gente acabou de chegar. Vai lá botar suas quinhentas roupas. Volta só amanhã, tá? Por favor...

Apesar de se sentir contrariado Polo achou melhor deixar os dois e ir cuidar das suas coisas. O quarto pareceu ainda mais estranho quando ficou mais vazio. Mas finalmente Kali e Vidya podiam respirar.

— Você tá bem Vidi?

— Eu queria ir embora Kali. Eu... eu não sou guia de ninguém, nem sou nenhum sábio numa montanha cheio de razão... eu sou e eu sempre fui só uma pessoa comum, uma redatora insignificante que só quer poder fazer uma matéria de capa!

Sabendo do tumulto que podia estar a cabeça dela, Kali sentou na ponta da cama e largou o corpo na cabeceira. Alcançando a mão nos cabelos de Vidya.

— Eu sei. Eu também tô me sentindo estranho aqui. É meu mundo, mas não.. não parece mais. Mas logo você volta pra casa, eu prometo. Aí lá você vai poder passar a tarde escrevendo deitada e eu faço um bolo pra gente. Hm? Se eles ainda quiserem te manter aqui, a gente faz uma bagunça terrível até eles resolverem exilar a gente. Pensa bem! A gente pode ir ali correndo pelo mercado e acertar todas as barracas e lojas no caminho. Desembestados! Podemos até colocar tinta no shampoo da Shid Paccala...

Vidya riu da idéia de pintar os cabelos brancos de Paccala de roxo ou coisa do tipo.

— Ah! esse último é bastante tentador! HAHAHA — com um suspiro ela tirou os óculos e fechou os olhos. — Obrigada Kali...

Eu era uma escolhidaOnde histórias criam vida. Descubra agora