Chove hoje.
Chove tanto que eu sinto o ar úmido mesmo com as janelas fechadas. Provavelmente porque uma delas nunca se fechou de verdade. Uma metáfora, uma figuração dos meus sentimentos. Chove lá fora, fechei todas as esquadrias, mas uma não, pois o vidro está quebrado desde 2010.O que deu na minha cabeça para sair daquele jeito e pegar o primeiro vôo de volta para Daegu? Foi o casamento? Foi a pressão? Essa sala já foi mais colorida, eu me lembro que ele pintava cada lugar com seus desenhos diferentes e únicos. Ele é único.
Meus sapatos fazem um som de crack ao pisar nos cacos de vidro quando ando até o piano velho. Lembro bem, uma dessas teclas está quebrada. Passei meus dedos em cada uma, até finalmente chegar na mesma. Eu estava certo. Nada mudou.
A sala continua a mesma seis anos depois.
Um espelho velho e enferrujado olha pra mim na parede manchada. E a minha imagem patética reflete. Meus cabelos escuros lisos bagunçados, a gravata borboleta desamarrada. Do jeito que fugi cheguei em Daegu. Acho que não estava pensando bem.
O que eu vim fazer aqui? Seis anos depois? Pulei o muro como sempre fiz, corri pelo pátio do mesmo jeito, saltei a janela quebrada e a chuva caiu logo que entrei.
Como se o céu soubesse que aqui dentro está tempestuoso também.
Me sentei no banco a frente do instrumento antigo. A tampa estava levantada, então a abaixei para cobrir as teclas e encontrei o que procurava. Taehyung costumava vir aqui sozinho, ele me disse em um dos e-mails.
Ele escreveu nossos nomes. Um do lado do outro. Me senti mal quando não vi um coração ao redor deles.
O que eu estou fazendo aqui?! O que eu vim buscar? Não faz sentido algum, Daegu não é a mesma sem ele. O deixei em Tóquio. Tóquio essa que é meu lar agora e não aqui.
Voltei a subir a tampa, tantas memórias voltaram quando comecei a tocar uma das músicas que compus. Taehyung sempre ouviu a mesma melodia e nunca me perguntou o que ela significava. Tudo bem, no fundo, eu sei que não teria coragem de dizer que escrevi para ele.
2010
Eu nunca vi alguém ficar tão feliz ouvindo música como ele. Seu jeito engraçado de dançar era sempre o mesmo, independente do ritmo, e sua risada um perfeito "hehehe" dando voltas na sala. Hoje eu resolvi trazê-lo para minha casa, coisa que nunca fiz antes. Não é fácil ser amigo de alguém mais novo, as pessoas julgam constantemente. Imagina se alguém me vê levando um garoto de quinze anos pro meu quarto?
Parei de tocar o violão para coçar a cabeça e ele virou para mim, com os cabelos castanhos pra bagunçados e um sorriso quadrado. Taehyung e eu somos muito diferentes. Ele tem energia, alegria e uma vontade de viver invejável.
Eu só existo.
Sorri para ele de leve. Tem tanta coisa que eu queria dizer, mas eu vou embora em alguns meses. Taehyung não sabe ainda e toda vez que penso nisso me dá vontade de fumar para tentar matar a ansiedade. Tateei o sofá procurando meu isqueiro e não o encontrava de jeito algum.
— O que foi, Yoongi-hyung? - perguntou respirando ofegante na minha frente. Meu apartamento é pequeno, tem uma sala integrada com uma cozinha minúscula, uma varandinha e um quarto. Mais apertado que um buraco de cobra.
Franzi a testa quando vi duas garrafas de soju vazias. Jurava que era apenas uma. Esse moleque tomou a outra sem que eu percebesse, que merda. O problema é que ele é de menor e não costuma beber, as vezes o pegava bebericando do meu copo escondido e a gente costumava discutir por causa disso. Mas Taehyung é tão teimoso e dono de si, é impossível convencer ele.

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LIAME | taegi
FanfictionCONCLUÍDA "Você vai achar estranho receber esse e-mail de mim. Faz anos que não nos vemos, tínhamos quantos anos quando nos despedimos na rodoviária? Eu tinha quinze? A gente se prometeu ficar junto pra sempre, prometi que iria te levar para todos o...