Eu realmente não acredito que isso estava finalmente acontecendo. Mesmo tendo enormes pilhas de caixas para desempacotar, me sentia a pessoa, mas feliz da vida. Suspirei dando uma volta e olhando mais uma vez onde seria nosso novo quarto. Já fazia algumas horas que estávamos aqui, tinha tanta coisa para arrumar, tanta coisa para limpar, tantas coisas para serem feitas, mas não conseguia esconder o sorriso enorme em meu rosto que simplesmente não conseguia se desfazer.
A nossa casa era bem pequena, perdida no meio do estado de Wyoming nos estados unidos em uma pequena cidadezinha chamada Buford, se assim posso dizer já que ela não possuía sinalização de transito, órgãos públicos, ou correios, a cidade só contava com um posto de gasolina e o sinal de celular era péssimo já que só possuía uma "torre", o lugar conta com apenas um supermercado, e se você procurar alguma coisa e não encontrar nele você tem duas opções, ou fique sem e se conforme ou percorre uma distância de oito quilômetros até a cidade vizinha um pouco mais desenvolvida que Buford.
E aqui estamos nos nessa casa que parecia ter uns mil anos, talvez mais, tão velha quanto essa "cidade", só havia um pequeno quarto, uma sala, uma cozinha, e um minúsculo banheiro. As paredes que um dia, creio eu, foram pintadas de branco, agora já estão gastas com uma cor amarelada, isso nas partes que não estavam totalmente descascadas. As telhas velhas, sinto que a qualquer momento serão levadas por um simples vento, e o chão range embaixo de meus pés a cada passo que dou. A casa ficava no meio do nada, rodeada de mato, enfim, temos um longo trabalho pela frente, realmente não estávamos mais em Chicago.
Ouço um barulho familiar vindo da cozinha, parece que alguém resolveu cozinhar, péssima ideia. Me dirijo com certa pressa pela casa empoeirada até chegar à cozinha, e lá está ela com seu short de moranguinhos surradas e uma blusa que já viu dias melhores, e mesmo assim surpreendentemente continuava linda. Carrie e eu morávamos em um pequeno orfanato em Chicago, odiamos ter que morar lá e sempre sonhávamos no dia em que enfim poderíamos sair daquele lugar. Tudo lá era controlado a hora de dormir, a hora de acordar, a hora de comer, de assistir, de brincar, de estudar, de tomar banho, assim como nosso comportamento, como se sentar, como comer, como andar, como agir. E sempre tínhamos que compartilhar, cama, doces, brinquedos, até as escovas de cabelo. Argh, realmente odeio aquele lugar!
Desde de pequenas sempre fomos ligadas uma a outra, poderíamos saber o que a outra estava pensando antes mesmo de alguém dizer alguma coisa, sentíamos quando a outra não estava bem, quando estava feliz, quando estava magoada, enfim sabíamos tudo uma da outra, e apesar de não termos ligação de sangue, éramos irmãs do coração. Os funcionários do orfanato eram de pouca conversa, somente Graça a cozinheira, uma senhora rechonchuda com a pele manchada e desgastada pela idade, que as vezes nos dava poucas palavras, segundo ela chegamos no mesmo dia no orfanato carregando no pescoço os amuletos que usamos até hoje. Inicialmente pensavam que éramos irmãs, mas depois foi constatado que não tínhamos parentesco, então suponhamos que nossos pais eram amigos ou algo assim.
Sempre sonhávamos com a ideia de que nossos pais um dia viriam por nós, nos levariam daquele lugar e nos encheriam de amor, éramos inocentes e sonhadoras, mas aprendemos da pior forma que o mundo muitas vezes não está do nosso lado e que aquilo desejamos nem sempre se concretiza. Não sei por que nossos pais nos abandonaram, Carrie sempre acreditou que tiveram um bom motivo para nos abandonar, porém se por bem ou por mal, me machuca o fato de que nunca foram nos procurar, nunca foram saber se estamos bem.
Sair do orfanato foi um alívio para nós, porém não sabíamos o que esperar do mundo e nem das dificuldades que enfrentaríamos. Quando as crianças não são adotadas e completam a maioridade são jogadas nas ruas e recebem um simples adeus. Como vivemos nossa vida toda no orfanato, não sabíamos como nos comportar fora dele, e tivemos que nos sustentar uma na outra para conseguirmos seguir em frente. Desde quando moramos no orfanato sempre juntávamos dinheiro nas festas de arrecadação ou vendendo doces na escola, sempre dávamos um jeito, e quando saímos dele trabalhamos onde podiamos, dormíamos onde desse, e assim seguimos até ter dinheiro suficiente para viajarmos e conseguimos alugar essa casa por uma pechincha.
No começo não sabíamos para onde ir, e até agora não sei por que viemos parar nesta cidade onde o vizinho mais próximo se encontra a cerca de seis quilômetros de onde estávamos, mas inexplicavelmente alguma coisa nos atraiu para aquele lugar, não sabíamos como iriamos sobreviver mas aqui estamos nos. Agora olhando para minha irmã posso ver o quanto ela mudou, o quanto mudamos, Carrie sempre foi bonita e sempre chamava atenção dos meninos na escola, com seu cabelo longo e ondulado, cintura fina e bumbum empinado sempre chamava atenção por onde passava, eu parecia totalmente sem graça ao lado dela, eu era mais arredondada que ela e meu cabelo era uma bagunça de cachos totalmente descontrolados, enfim eu era uma bagunça.
Eu paro na porta e observo assustada enquanto ela assassina um tomate com uma faca, sorrindo eu puxo uma cadeira e me sento, ela para o que está fazendo e olha para traz com um pulo, e começa acenar para mim com a faca na mão.
— Ah você já desistiu de arrumar a bagunça de caixas?!
Olhando para a faca e o fogão totalmente respingado de gordura, minha mão começa coçar querendo limpar aquela bagunça, mas não sei como argumentar sobre aquela tragédia e suas hum... "habilidades" culinárias sem deixá-la com raiva ou querendo me matar. Bom pelo menos ela ainda não tinha queimado seja lá o que estava fazendo, hum parece que estamos tento um avanço aqui. Decido não tocar no assunto.
— Bom não estou nem na metade, mas teremos que arrumar um cantinho para dormir, to cansada, com fome, e... — levanto meu dedo mindinho mostrando-o para ela — com uma unha lascada.
Ela me dá um sorriso de lado e se senta a meu lado.
— Ah pobre unha, que bom que está com fome eu resolvi fazer alguma coisa para comermos, eu estou melhorando...
É eu não tinha tanta certeza assim, mais se sobrevivesse talvez eu pudesse questionar.
— Bem quando terminarmos de comer, vamos tentar arrumar o quarto e tirar aquela pilha de caixas para a gente dormir.
Desde quando chegamos de manhã na casa, só descansamos meio dia quando nos sentamos para comer pão com ovos mexidos e suco de maracujá, dali pra cá quase sete da noite temos limpado chão, tirando poeira das coisas, desempacotando caixas, brigando, enfim... estamos exaaaaustas e precisamos de descanso.
Carrie faz carreta para mim e apoia sua cabeça na mesa
— Sim, bom parece uma boa ideia para mim, — ela estica as pernas e meche os dedões — sinto como se minhas pernas fossem feitas de gelatina, e se por alguma razão alguma coisa com sede se sangue vier nos matar a noite você pode ser a isca.
Eu olho para ela com cara de magoada e exageradamente coloco a mão no peito.
— Sei que pode ser difícil, mas eu passo esse sacrifício para você, prometo fazer um enterro digno cadela!
Ela avança para cima de mim com a faca e eu grito sorrindo já na metade do caminho para a sala, em meio a minha fuga e a sua tentativa fracassada de me pegar, sentimos um cheiro de queimado vindo da cozinha. Carrie olha para mim e faz careta, correndo até a cozinha começa a referir infinitos e mais criativos palavrões. Achando graça da sua tentativa um tanto desastrosa de cozinhar, me viro para a pequena caixa de cereais que compramos.
— Biscoito?
Ela olha para mim com cara de desgosto e tristeza, enquanto raspa o que me parece sobras de ovo queimado da panela e joga no lixo.
— Vou fazer um suco.
Eu olho para ela e sei que se ela tentar fazer ao menos isso será um total desastre. Me adianto e pego água em uma jarra e o pacotinho de suco industrializado que compramos.
— Tudo bem, pode deixar que eu faço.
Jogando a panela totalmente queimada na pia, ela me olha assentindo e se senta na mesa esperando o suco. Bom retiro o que disse parece que não tivemos um avanço. A Carrie não tem nenhum dom na culinária.
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O Círculo.
RomanceCarrie e eu passamos a vida inteira num orfanato e finalmente quando saímos dele somos lançadas num mundo saído direto de um conto de fadas. seria realmente lindo se não descobríssemos que não pertencemos ao mundo que estávamos acostumada, mas a o...