A Assistente

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O pulso já havia parado de doer enquanto ela escrevia, ou ela simplesmente tinha se acostumado com a dor depois de tanto tempo sobre a mesa.

Aquela era qual? A centésima carta? Já perdera a conta durante as seis horas que esteve ali. A máquina de datilografia não era uma opção. O professor havia sido claro: "todas as cartas devem ser escritas a mão", o porquê disso era um mistério, o velho mal conseguira passar todas as instruções a ela, explicar o que tudo significava não era uma possibilidade.

Ela se lembrava constantemente das palavras do professor, o tom urgente não combinava em nada com a voz rouca e fraca, ele queria ser rápido, mas era interrompido por crises de tosse e falta de ar. Talvez fosse a urgência ou o fato de ver um homem tão querido à beira da morte, mas cada palavra dele ficara gravada em sua memória:

_ Pegue a lista de nomes em cima do criado mudo, leve para minha casa, vai encontrar uma agenda com endereços na minha mesa, você já sabe onde guardo as minhas coisas, não deve ter dificuldade, envie cartas para todos da lista. Você só tem de reescrever o que preparei, o texto está atrás da lista de nomes, não é bem formal, mas pode arrumar isso para mim. Preciso que faça todas as cartas à mão, nada de datilografar, use, uma tinta especifica, vai reconhecer ela, a do pote esverdeado, ela tem um adesivo velho escrito ''Departamento de Arqueologia de Arkham'', e por favor, seja rápida nos envios e, quando terminar, traga a caixa para mim, minha querida.

A carta não era mais que uma atualização sobre os últimos meses da vida do professor, meses esses que Sophie havia acompanhado de perto, visto seu chefe, um homem que havia lhe ensinado tanto na década passada, que havia lhe dado uma chance de sair da casa de abusos em que vivera durante toda a sua vida, definhar até a beira da morte.

A situação era ainda mais desesperadora, ela não entendia como aquilo poderia ser possível, durante seus dez anos de serviço, Rupert não havia adoecido. Mesmo em seus 60 anos ele era saudável e tinha uma rotina privilegiada. Sendo professor e chefe do departamento de arqueologia da faculdade de Arkham ele passava a maior parte de seu tempo lendo ou preparando artigos.

O último de seus trabalhos era algo que ela vira ele relutar em fazer durante anos. Sophia não tinha certeza do que era, mas sempre observou o professor lendo aquelas notas, enquanto olhava para aquele pedaço de pedra amarela, ela lembra de ver algo dentro. Um inseto talvez?

Durante uma década ela via o professor encarar aquilo por diversas vezes no mês. E sempre via o professor balançar a cabeça negativamente e guardar as notas na caixa.

Dois anos atrás o professor voltava de uma visita da casa de um colega pesquisador que estava gravemente doente, de acordo com o que Rupert disse o dito colega não sobrevivera a seu estado e faleceu no hospital. Cecil Jones era o nome dele. Depois disso o professor passou mais tempo com a caixa, agora levando a mesma para o departamento de arqueologia e pedindo diversas encomendas do Egito. Sophie não sabia mais quantas vezes havia recebido pacotes de livros linguísticos e históricos sobre uma civilização misteriosa na terra dos Faraós.

Desde o início do ano ela e o professor vinham trabalhando num projeto chamado de "O Faraó negro", um novo artigo que parecia ser uma conclusão dos últimos dois anos de trabalho sobre a civilização egípcia misteriosa, enquanto datilografava, Sophie viu diversas imagens estranhas, desde rituais macabros até uma figura quase blasfema de o que o Professor disse ser o Faraó Negro.

A sensação de ver aquela imagem pela primeira vez nunca fora embora, a náusea que sentiu apenas de fitar a criatura. Era como tentar acompanhar um ponto especifico em um carro em movimento. Sua mente não conseguia lidar e todo seu corpo sentia os efeitos. Sempre que fechava os olhos sentia que aquela abominação estava em seu encalço, por três dias dormir tinha se tornado uma rotina de sustos e paranoias que só podiam ser remediadas com os mais fortes calmantes ao seu dispor.

No Limiar das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora