O Detetive

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"A violência humana é um instinto de sobrevivência natural tal qual o medo, é algo verdadeiramente simples de ser entendido: o medo de morrer faz as pessoas matarem. Tudo bem, eu concordo que é um ponto de vista um tanto simplório sobre os seres humanos, mas as pessoas tendem a ser simplórias, então por que se dar ao trabalho de complicar as coisas? A realidade é o que é, humanos são a única coisa a ser temida no fim das contas. "

Cliff H. Hill, detetive do departamento de polícia de Arkham.

Cliff chega em casa por volta das dez da noite, o pequeno Machiel já dormia a uma hora dessas, maldita rotina, tinha cada vez menos tempo com seu filho, mesmo hoje que largara seus casos mais cedo não conseguia estar em casa a tempo.

Decidira se tornar detetive ainda muito pequeno, sempre gostou da ideia de "servir e proteger", era o que ele queria, a imagem que gostava das pessoas tivessem dele, foi o que atraiu Alice para seus braços ainda nos tempos da academia, ela sempre gostou do clichê de um herói defensor da justiça a salvando e, bem, essa era uma boa definição de Cliff, seu reconhecimento dentro da força policial veio ainda cedo, aceitava qualquer caso e não o dava por fechado até que o seu senso moral o dissesse que a justiça tinha sido feita.

Obviamente isso foi visto com bons olhos por todos, mas com os anos essa mania passou a fazer com que seus casos demorassem mais a serem concluídos, o que o deixava em maus lençóis com o seu delegado, Capitão Thompson.

O delegado era um pensamento constante na mente de Cliff. Era um pingo de gente que sabia gritar quando algo não o agradava, vinte anos na força e ele ainda não tinha aceitado a falta de ética dele, era ridículo, não importava os esforços dele para fechar seus casos de maneira correta, nunca seria eficiente o bastante para agradar o chefe e se um delegado não está satisfeito todos na delegacia tendem a arcar com o mau humor, logo o herói do departamento era visto como o culpado pelas sessões constantes de esporro de Thompson.

Mas o DP não pegava no pé de Cliff, não depois do caso, o maldito caso que levara seu parceiro para uma vala. Amigos desde a academia, Rogers era o único que conseguia conviver com a fissura por justiça de Cliff, ele costumava dizer que Arkham era um lugar amaldiçoado, onde a ideia de certo e errado era deturpada e as pessoas simplesmente aceitavam isso, por isso Cliff era tão necessário aos olhos de Rogers, alguém capaz de ir contra essa maré em nome do que é certo, era isso que Arkham precisava.

No fim das contas a mesma cidade que ele queria defender ao lado de seu parceiro tirara sua vida de forma misteriosa, misteriosa o bastante para que nem todo o afinco do detetive conseguisse desvendar. Essa era, sem dúvidas, a maior frustração de Cliff.

Depois da morte do parceiro a ideologia do mesmo havia se alojado fundo em sua mente: tinha algo de estranho em Arkham, algo que pendia essa cidade para um mar de desgraças constantes, uma torrencial de casos que deixavam Cliff cada vez mais distante de sua família. Noites e mais noites no DP afundado em papeis e pistas, mas hoje ele não quis se prolongar lá, as pessoas não comentavam, mas a tensão do ar era palpável, Capitão Thompson dera outro esporro na força policial por conta do acumulo de papeladas de casos em aberto e todos sabiam de quem era a culpa.

Ele tira o distintivo e coloca na cabeceira da cama, tira o coldre e guarda a arma numa caixa com cadeado, deita em sua cama. Vazia. Onde estava Alice? Ele vasculha o quarto, nada. Sai para o corredor e chama pelo nome da esposa. A resposta vem do andar debaixo, Cliff desce as escadas e vê ela sentada à mesa segurando um copo d'água. Ele para pôr um segundo e observa ela, sua mulher, uma de suas primeiras conquistas e seu principal pilar, o que mantinha sua mente sã dentro dessa maldita cidade.

Ela se aproxima dele e o beija, distancia seu rosto do dele enquanto coloca suas mãos ao redor, ele acaricia a mão dela e observa a aliança. Não era algo ostensivo, o salário nunca fora um dos melhores, mas o peso emocional que aquilo tinha para ambos era imenso. Ela pergunta se ele tem fome, Cliff apenas balança a cabeça em negativa enquanto enche um copo d'água e o bebe numa golada só. Ele olha para a mesa e vê a correspondência, imediatamente um envelope branco chama sua atenção, a caligrafia lhe é familiar. Ele indica com a cabeça e pergunta para Alice o que era:

_Chegou hoje pelo fim da tarde junto com o resto da correspondência, o dia foi tão cansativo, nem cheguei a mexer nelas. – Ela se adianta para a escada no corredor – você vem para cama? – Ele murmura algo e pega o envelope, Alice sobe as escadas sem dizer mais nada.

Ele encara o envelope e lê o remetente: Professor Rupert Merriweather. Naquele momento sua espinha gela, ele começa a suar frio, se senta e encara o envelope, nunca fora muito supersticioso, mas sentia no mais profundo recanto de sua alma que algo ali não estava certo.

Já havia recebido inúmeros envelopes como aqueles do professor, ele era um consultor de Cliff, os dois se conheceram num antigo caso de múltiplos homicídios que vinham acontecendo em 1922. Ao que tudo indica era uma seita que cometia sacrifício de pessoas durante cultos macabros, para rastrear a mesma ele procurou o Professor Rupert, o mesmo era chefe do departamento de arqueologia da faculdade de Arkham.

O professor forneceu informações sobre as origens do culto e isso ajudou Rogers e Cliff a rastrear os participantes e acabar com aquela onda de matança macabra. Desde então ambos veem mantendo contato para consultorias de casos estranhos diversos, algo que era muito comum por essa região, o que fazia a crença do detetive na teoria de seu parceiro ser cada vez maior.

Cliff não sabia o porquê desse envelope lhe assustar tanto, era como todos os anteriores, mas ele não se lembrava de ter feito alguma consulta recente com Rupert, era estranho ele ter enviado algo assim sem uma razão.

Ele acabou com o mistério abrindo o envelope, tudo que leu lhe parecia tão repentino, mas ainda assim, uma sensação preencheu seu corpo, por alguma razão aquilo não o surpreendia nem um pouco.

Um amigo de quase dez anos estava em estado grave no hospital e pedia a presença do detetive com urgência, antes que sua suposta doença o vencesse, Rupert era consideravelmente mais velho, porem sua saúde sempre fora impecável, o velho era forte como um carvalho e agora estava de cama quase morrendo, algo completamente inesperado, mas então, por que Cliff sentia que aquilo era tão esperado?

No Limiar das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora