Correndo pela floresta

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Meus anos como residente em plantão médico e posteriormente em paramédica fizeram com que fosse forte e aprendesse a trabalhar sobre pressão, mas essas eram características dela da Lupita Rodriguez. Eu não sou ela, nem sei mais quem sou, estou apenas caminhando dessa estrada sem fim.

Os dias eram silenciosos e cansativos, eu não parava mais em lugar nenhum, minha realidade era andar e me esgueirar só por entre o cemitério de carros da rodovia. As noites eram barulhentas e sufocantes, as vozes de Gabb, Pietra, Tami, mamãe e todos os que perdi, ecoavam nas árvores ao lado da rodovia, gritando insistentemente que eu era a culpada por suas mortes, e que eu deveria ir encontrar com eles.

Mesmo assim ainda preferia a noite quando falavam comigo, do que o dia quando todos os caminhantes que encontrava tinham seus rostos. Louca era assim que me via, minha mente estava tão bagunçada que não sabia mais o que era realidade ou não. As vezes me perguntava se os mortos haviam mesmo levantado ou se tudo não passava de um delírio paranóico da minha cabeça, eu já havia visto pessoas agirem assim em surtos psicóticos ou que acabaram de passar por um grande trauma.

Estava no meu limite, meus pés doíam e meu corpo estava clamando por descanso, mas nada disso me fazia parar. Já não sabia o significado de higiene, e nem me importava, só precisava cumprir a promessa que fiz a minha mãe eu precisava sobreviver, mesmo que não passasse de mais um corpo caminhante. Sabia que nesse ritmo não duraria muito tempo, porém era minha única opção ficar longe de pessoas e me manter viva. Não poderia arriscar me encontrar com um grupo como daqueles homens, ou pior perder mais alguém quem me importo.

Estava procurando comida nos carros abandonados como de costume, meu plano era comer algo e seguir por mais alguns quilômetros até achar um lugar para descansar. Essa era minha rotina agora, sem plantões, sem qualquer vaidade afinal já havia abandonado a higiene alguns quilômetros atrás. Fazendo uma busca superficial nos carros, vi algumas barras de cereais no possível de um carro abandonado, porta aberta, vidro abaixado e sangue traduz o que aconteceu aqui o motorista foi mordido pelo vidro e fugiu com medo provavelmente para a próxima boca podre.

Nos primeiros dias me sentia mau em pegar aquelas coisas e pensar em como aquelas pessoas morreram, mas agora a fome já me fez decidir por ela. Me ajoelhei no banco do motorista, me esforçando para pegar as barra de cereais quando barulho de motores me deixou alerta.

"Mierda, mierda, mierda" pensei quanto finalmente as agarrei e correria para fora da estrada.

Correr para floresta não era uma boa ideia, quando eu era péssima em direção como eu era, então resolvi ficar por perto. De onde estava tinha pouca visão da estrada, o que não me permitiu contar quantos eram mas pareciam um bom número, fiquei o mais silenciosa possível prestando atenção no grupo vivo e em qualquer morto que resolvesse me atacar. Com o facão firme nas mãos vi quando começaram a vascular os carros abandonados pegando toda a comida que encontravam, os desgraçados estavam lavando tudo e me deixando sem nada.

Minha vontade era de matar todos só por tocar nas minhas coisas, os malditos deveriam ser como aquele grupo que encontrei, ladrões e assassinos. Os observava com olhos em chamas, enquanto andavam de um lado para outro por entre a estrada meus olhos tão fixos neles que quase não percebi o grande grupo de caminhantes chegando.

"Droga!" pensei, me preparando para fuga. Lancei meu último olhar para o grupo e os vi se escondendo entre os carros, antes de correr floresta a dentro.

Corri até me sentir segura o bastante para parar, não estava tão longe da estrada mas aqui os caminhantes não sentiriam o meu cheiro. Olhei ao redor e não via nada que me indicasse para onde ir, só árvores e mais árvores.

Flashback on

-Olhe ao redor Lupita, e me diga para que lado devemos ir? - Perguntou o senhor aí meu lado, apertei as alças de minha mochila e respondi aborrecida.

-Só o que vejo são árvores!

-Porque estamos em uma floresta?- ironizou a garota Latina aí meu lado.

-Rosita!- O homem chamou sua atenção.- Deixe sua irmã responder.

Eu realmente odiava essas dicas de sobrevivência ao vivo de meu padrasto, era óbvio para todos que essa situação só divertia a sua própria filha.

-E então querida?- Voltou a perguntar.

-Devo subir em um local alto e tentar encontrar algum ponto de referência?-perguntei, entediada.

-Sim, você deve.

Flashback off

Claro subir em uma árvore e procurar a estrada, ou alguma construção para se abrigar. Coloquei meu facão em uma bainha improvisada e o prendi as minhas costas para a escala, subi o mais alto que consegui porém ao tentar encontrar algo fixo, uma cena me chamou atenção. Havia uma criança a alguns metros de mim, ela estava assustada e segurava fortemente algo contra seu peito tentando proteger o que quer que fosse, dois caminhantes que perseguiam-na. Vi quando um homem a encontrou e correu com ela para um pequeno córrego, a escondendo entre umas raízes de árvore.

Mas o que esse idiota está fazendo?- me perguntei ao ver que ele se afastava da garotinha levando consigo os dois caminhantes, e não se dando conta dos outros três que seguem na direção do córrego.

Eu não podia tirar a imagem daquela garotinha que matei para salvar mamãe, da cabeça. Não quando via outra criança caminhar para o mesmo destino dela. Desci da árvore e corri o mais rápido possível para ajudar a criança das raízes, eu não podia deixar que outro inocente perdesse a vida. Ao chegar na pequena clareia encontrei uma garotinha assustada caída ao chão e o primeiro dos três a centímetros de abocanhar seu braço, levantei o facão e desci com toda minha raiva na cabeça do caminhante que caiu ao chão.

-Vamos, tem mais deles chegando.- Falei agarrando a garotinha pelo braço, a levantando e arrastando para longe daquele lugar.

Corremos por um longo tempo, tomando pequenos segundos de pausa e respiração, onde qualquer movimento a nosso redor era motivo para mais alguns metros de correria. Já estava escurecendo quando por um acaso encontramos uma velha cabana  aparentemente abandonada a muito tempo. O lugar estava tomado por heras, mas parecia sólido e resistente um bom esconderijo para passar a noite.

Arrastei a silenciosa garotinha para dentro e vasculhei o lugar, nada de caminhantes ou de qualquer sinal de atividade humana pelo lugar. Arrastei uma cômoda de madeira velha para bloquear a única porta da casa, as janelas tinham persianas de madeira que eram resistentes. Subimos para o segundo andar onde havia apenas um quarto.

-Tudo bem com você?- Perguntei, a garotinha se limitou a balançar a cabeça afirmativamente. - Eu me chamo Lupita e você?

-Sophia.- Respondeu sussurrando.

-Já que seremos companheiras de quarto Sophia, então tem que saber que eu ronco um pouco.- Brinquei. Recebi como resposta um leve levantar de bochechas.

Parece que Lupita Rodriguez ainda habita nesse corpo.

🔪🧟🏹

Olá leitores fantasmas, como estão?
Sentiram saudades de Lupi??
Ela está de volta e com tudo, aguardem para ver o primeiro encontro do nosso caçador e sua futura pedra no sapato 😉

Sob Suas Asas (Daryl Dixon)Onde histórias criam vida. Descubra agora