3 Coisas, Um conto

Um ninja, o presidente da Rússia e uma bailarina

Gosto da neutralidade do palco que permite que as melhores cenas ganhem vida. Cada uma de sua forma singular. As luzes destacam o movimento que dá a luz à história. Estas histórias ganham vida própria e emocionam a todos do palco. Mas apesar de todo o valor às histórias, o que mais admiro e vejo como a causa das mais fortes emoções é o movimento. Até porque, no final das contas, tudo diz respeito a movimentos.

Os movimentos de partículas e seres formam tudo aquilo que vivenciamos no agora. Não pense que isso é algo exclusivo para bailarinas como eu. Isso também é um fato para você que está aí deitado na sua cama, lendo o que tenho a dizer com o movimento dos seus olhos. E pelo movimento dos seus neurônios interpreta. E foi em um conjunto de movimentos que eu vi os meus sonhos se perderem entre as paredes do palco naquela noite.

Era um dia muito importante para mim, eu estive dedicando a minha vida toda para este momento, mas já tinha a sensação de que tinha algo de errado. Quando pensamos assim, julgamos ser apenas uma consequência de todo o nervosismo que envolve alcançar os próprios sonhos, e descartamos nosso instinto. Eu sabia que não deveria subir no palco aquela noite. Mas eu não hesitei pelo prestígio, nunca tinha me apresentado para tantas pessoas importantes.

Quinhentas e quarenta e duas pessoas estavam presentes. Todos ganhavam em um mês mais do que eu tinha ganhado a vida toda. Os dias seguintes a esta apresentação me encantavam só de imaginar. Porque o valor de dançar não depende apenas de todo o seu treino, mas dos palcos onde os pés pisaram. Eu estava pisando no palco em que o presidente da Rússia assistia.

Pouco antes de entrar no palco, toco o chão com minhas duas mãos. Em seguida, minha concentração é nos movimentos. Enquanto danço, eu sinto como se o ar estivesse me envolvendo e seguindo a coregrafia comigo. E os meus membros seguem os sentidos que já conhecem, e o novo é a emoção. Posso fazer uma mesma coreografia mil vezes e ela pode ser a mesma quanto aos movimentos físicos, mas serão mil coreografias diferentes. 

Geralmente, os movimentos físicos seguem quase que automáticos me guiando pelo ar, mas naquela noite foi diferente. Não costumo dar atenção para a realidade que está em minha frente, trata-se apenas de mim e o ar quando estamos no palco. Mas não tinha como não admirar aquele momento único por completo. 

Sempre que podia, lançava um olhar para as pessoas mais importantes que estavam no camarote, onde o presidente estava. E foi assim que testemunhei o seu assassinato. Mal tinha percebido o vulto dos movimentos do assassino por trás da iluminação quando ele entrou no camarote rapidamente. 

Apesar de seu rosto estar coberto, eu poderia me lembrar para sempre de seus olhos quando viu que tinha sido percebido. Sem emitir qualquer som que dispersasse a atenção dos outros presentes, o ninja decapitou o presidente e partiu por trás da iluminação novamente, rompendo com a harmonia do ar em que eu dançava. O sangue daquele estava em meus pés.