Cimento, uma pulseira e uma tesoura

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Mesmo depois de muito tempo, eu ainda me lembro das faíscas dos meus sonhos. Ainda acordo todos os dias com aquela vontade de conhecer o que eu poderia alcançar com habilidades tão espontâneas que tenho. Hoje, ensino tudo aquilo que levei muito tempo para aprender sozinha. O que demorava meses para aprender a fazer, apresento aos meus alunos em duas horas. Eles mal sabem o tempo que uma experiência lhes economiza. 

As minhas tardes eram sempre no canto que pegava sombra na calçada, sobre o chão de cimento da calçada, eu criava as minhas próprias obras de arte. Eu tinha uma tesoura, um alicate e alguns materiais que conseguia comprar depois de vender uma peça, sempre pulseiras. Gostava do quão práticas e elegantes eram, realçavam as mãos e deixavam os movimentos mais delicados. Até mesmo os sons das pedrinhas são um encanto aos movimentos.

Todo o meu amor e curiosidade em saber sobre como essas peças eram feitas, desde uma reprodução à criação, me motivava a passar todas as tardes escondida na calçada, pouco a frente da escola, montando pulseiras. 

Muitas pessoas, até hoje, me perguntam por que eu fazia isso. Eu não tinha casa? Não podia pedir para que ninguém me ensinasse, ou me ajudasse? Bom, a verdade é que apesar de não conhecer alguém que fizesse pulseiras e tivesse o mínimo de vontade em me ajudar, eu tinha uma casa em que poderia ter muito conforto ao criar minhas peças. Mas, não era por acaso ou livre vontade que eu ficava procurando uma sombra na calçada para passar a tarde. Os meus pais nunca admitiriam a grandiosidade dos meus sonhos.

Um sonho impossível para eles já era uma mulher que trabalhasse, agora imagine fazer o design de peças de alto valor e vendê-las! Porém, eu tinha completa noção de que meus sonhos eram possíveis. Isso, porque eu conheci alguém que tinha os realizado. 

Era uma moça simples, vendia algumas peças, linhas e aviamentos. Eu a conheci quando fui com a minha mãe comprar uma linha, ela foi nos atender e vi que suas mãos estavam enfaixadas. Então, perguntei:

- O que aconteceu com sua mão?

E minha mãe já me olhou com uma cara de que eu ia me arrepender de ter perguntado. Mas, a mulher não parecia estar desconfortável com a pergunta, e respondeu:

- Eu as machuquei em um acidente, mas nem sinto mais dor, está tudo bem.

Sabia que era melhor não perguntar mais nada naquele dia com a minha mãe por perto, porque provavelmente ela ficaria furiosa. Por isso, no dia seguinte, fui até a loja após a aula para para saber mais sobre a história daquela mulher. 

Comecei a conversa com total sinceridade, dizendo que não saia da minha cabeça a imagem da sua mão ferida. Ela deu um sorriso e já sabia que eu queria ouvir sua história inteira, e passamos a tarde conversando pelo balcão. 

A moça me contou de quando ela trabalhava criando as mais delicadas joias, até quando um corte em sua mão causou uma infecção terrível em que ela passou o resto de seus dias tentando tratar. Era uma bactéria rara e ela me contou que teve que cortar alguns dedos e não pôde mais trabalhar com as joias.

Ouvi toda sua história com muita atenção e me senti muito mal por ela. Ao final da tarde, ela me percebeu o meu interesse em fazer as pulseiras e me deu algumas pecinhas para que eu pudesse criar alguma coisa e levar para ela. 

Passei o resto da semana olhando algumas pulseiras da minha mãe e tentando entender como eram feitas para criar uma. No começo da semana seguinte, eu tinha a minha primeira pulseira feita e logo após a aula fui rapidamente à loja. Mas, a moça não estava mais lá.

Em seu lugar, tinha uma senhora que não tinha muita simpatia comigo. Porém, assim que eu mostrei a pulseira, ela me perguntou onde eu a tinha conseguido.

- Eu mesma a fiz - respondi.

- Você faz bijuterias?

Eu nem sabia o que responder exatamente, mal tinha feito aquela pulseira com algumas coisinhas que tinha em mãos, mas e eu só pensava uma coisa:

- Sim, o que você precisar.

3 Coisas, Um contoWhere stories live. Discover now