MICAH
Eu acordei com o sol no rosto e sentei, todo meu corpo doendo do chão duro, minha cabeça latejando sem parar. Abri os olhos e soltei um palavrão quando tudo rodou e meu cérebro pareceu receber dezenas de agulhadas. Confuso, vi a água límpida da cachoeira à minha frente e ouvi uma música tocando em algum lugar.
Porra, tinha bebido demais! Flashes da noite anterior vieram à minha mente. Os socos que troquei com Agnaldo, o pessoal mandando eu parar de ser babaca, meu ódio e minha vontade de destruir tudo, de me machucar e machucar alguém. A minha mãe deitada em sua cama, muito mal. Meu pai me mandando sair do quarto dela. Os gritos dele, como veio para cima de mim, puxando o cinto quando o enfrentei, cansado daquela violência e daquele ódio. Eu reagi e avancei nele. Theo e Heitor chegaram na hora e impediram a briga.
Saí de lá enlouquecido. Estava em meu limite, a ponto de fazer uma loucura. Fui para um bar e enchi a cara, até não aguentar ficar em pé. De resto, tudo era confuso. Lembro que ia ter a festa, mas não sei como cheguei ali. Partes da noite voltaram e me levantei, cambaleando, ainda embriagado, enjoado, morrendo de sede e vontade de aliviar a bexiga.
Andei até a beira da cachoeira, recordando um cheiro bom de mulher, um beijo gostoso. Franzi o cenho, sem lembrar o que era.
Abri a calça e meu pau estava duro. Sempre acordava com uma ereção de doer. Intrigado, vi manchas escurecidas nele, cobrindo-o, meus pelos púbicos com algo seco, que parecia sangue ou esperma. Fiquei olhando aquilo, buscando respostas em minha mente confusa.
Veio uma sensação de acolhimento e carinho, um toque em meu cabelo, um sussurro em meu ouvido. Era uma voz macia e baixinha, que me deu paz, me fez sentir amado. Forcei-me a lembrar, mas eram apenas flashes, como um sonho. Não havia uma forma, apenas a ideia de um corpo macio, de uma entrega doce, de paixão.
E o que era aquilo no meu pau? Por mais que eu me esforçasse, não conseguia entender o que tinha acontecido e pensei se teria transado com alguém naquela noite. Procurei lembrar das meninas na festa, as mesmas de sempre. Mas não me recordava de ficar com elas. Não recordava de porra nenhuma.
Irritado, fiz o que tinha que fazer e caminhei até a minha moto, apurando os ouvidos e sabendo que o rádio estava ligado em algum lugar. Estava explodindo de dor de cabeça e não perdi tempo procurando-o. Precisava beber e comer alguma coisa, tomar um remédio e então voltar para casa. Sentia raiva só de pensar em ter que encarar meu pai novamente.
Montei na moto e por acaso lembrei de uma música tocando na noite anterior. A letra e a melodia vieram na minha cabeça, bem claras. E com elas de volta aquela sensação, aquela espécie de sonho. Fiquei um momento imóvel, a música soando como lembrança em meus ouvidos:
“Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois(...)”
Parecia acompanhada de um toque e uma voz, mas eu não conseguia lembrar de quem.
Olhei em volta, mas por fim sacudi a cabeça e gemi de dor, sabendo que só podia ser algum sonho mesmo, causado pela bebedeira. Mas enquanto ligava a moto e me afastava em direção à cidade, carreguei comigo aquela sensação gostosa de carinho em meio ao caos que era a minha vida.
Ainda me sentia bêbado quando cheguei em Florada. Era sábado e as pessoas já começavam o dia, espiando-me desconfiadas quando desci em frente à padaria todo descabelado e com roupa amassada, na certa imaginando que o “maluco do Micah” chegava de mais uma de suas farras. Dei de ombros e segui em frente, precisando de um café e comida para acordar de vez.
A padaria estava relativamente movimentada e caminhei até o balcão. Diego, um colega meu da escola, me viu e veio até mim, reclamando:
- Cara, ontem você estava alucinado!
Sua voz atraiu algumas pessoas e não parei até chegar ao balcão, seguido por ele. Uma garota alta e gordinha estava ali e na hora se virou para mim, arregalando os olhos atrás dos óculos e estacando quando parei ao seu lado. Distraidamente, notei que era Valentina, que também estudava comigo.
Encontrei seu olhar e algo ali me fez ficar alerta, ligado. Uma energia pareceu estalar entre nós e franzi o cenho, atento, tendo uma sensação esquisita de familiaridade. Ainda mais quando ela deu um passo incerto à frente e murmurou como se pedisse algo:
- Micah ...
Estranhei, pois nem falava comigo direito. Ficava sempre vermelha e nervosa quando eu chegava perto, mas atenta em tudo sobre mim, o que às vezes me irritava. Só falei com ela umas duas vezes, quando pedi cola, mas nem respondeu. Só me deixou olhar sua prova.
Seu olhar para mim era apaixonado, íntimo, em expectativa, como se aguardasse ansiosa por algo. Estranhei aquilo e também o fato de algo me ligar a ela naquele momento, que não soube explicar. Ela me deixava tenso, inclusive por que já tinha me pegado em flagrante em um momento de fragilidade na escola, quando quase me descontrolei e deixei minhas emoções virem à tona. Quando notei, me olhava com uma espécie de pena, o que só me enfureceu na época. Desde então eu a evitava ainda mais.
Ao meu lado, Diego também notou e acabou debochando:
- Olha aí, Micah. Mas uma caidinha por você! É só catar e fazer sua caridade do dia.
Valentina arregalou os olhos, empalidecendo. Virei para o balcão, disposto a pedir meu café, dizendo por sobre o ombro com agressividade:
- Com essa aí meu pau nem sobe. – E completei para o atendente: - Fernando, traz um café aqui. E pão.
Diego riu do meu comentário e lancei um olhar de relance a ela, que continuava cravada ali, incomodando-me de uma maneira que não consegui explicar. Havia uma dor latente em seu olhar, uma expressão que por um momento me deixou arrependido pelo que falei.
- E onde você foi parar ontem, depois da briga, Micah?
Continuei olhando para ela, pronto a dizer algo que aliviasse a minha grosseria, mas algo me impediu. Assim, apenas respondi à pergunta do meu amigo:
- Sei lá, cara, fiquei em coma alcóolico. Não lembro de porra nenhuma do que fiz ontem. E nem faço questão de lembrar das minhas merdas.
- Valentina, seu pão. – Uma das atendentes atrás do balcão a chamou, estendendo-lhe um saco pardo. – Valentina?
Ela continuava imobilizada, pálida, olhando para mim. Franzi o cenho e ergui as sobrancelhas, sendo bem direto:
- O que foi? Nunca me viu?
Diego soltou uma risada. Ela piscou, como se saísse de um transe, ficando vermelha. Reagiu, pegando o saco de pão que a garota lhe estendia e olhando-me com muita raiva, com sentimentos que não entendi. Virou-se para sair, mas antes falou com voz trêmula:
- Preferia nunca ter visto.
E afastou-se, pisando duro. Eu a acompanhei com os olhos e Diego comentou:
- Maluca! Mas me diz aí, Micah ... – Continuou a falar e olhei até Valentina sair da padaria.
Fiquei com uma sensação estranha, que não entendi. Um alerta. Uma culpa. Mas então julguei que fosse pelo fato dela me incomodar, por sempre parecer prestar atenção demais em mim, mesmo quando eu não queria.
Dei de ombros e voltei para frente, respondendo a Diego.
E então, o que acharam? Esse é o prólogo, que se passa quinze anos antes da história começar.
Dia oito, teremos aqui o primeiro capítulo.
Beijos! E mais beijos!
E dia 10 de dezembro, lançamento na Amazon.
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Seduzida(Livro 3 da Série Segredos)
RomansaMicael Cruz Falcão, mais conhecido como Micah, desde os nove anos foi tratado diferente pelo pai em sua família. Recebia de Mario Falcão apenas frieza, crítica e muitas vezes violência. Nunca conseguiu entender e chegou ao ponto de se revoltar, vira...