A arte do rapto

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    Quando o sol se pós, as crianças já estavam trancadas havia muito tempo. Pelas persianas dos quartos elas espiavam seus pais que empunhavam tochas, e suas irmãs e avós estavam enfileiradas ao redor da floresta escutar desafiando o Diretor da Escola a atravessar o anel de fogo.
  Contudo, enquanto as crianças trêmulas Apertavam os parafusos das janelas , Sophie preparava-se para desparafusar os seus. Ela queria que aquele rapto fosse o mais conveniente possível. Entrincheirada em seu quarto, ela dispôs grampos de cabelo, pinças e lixas de unha à sua frente, e começou a trabalhar.

   Os primeiros raptos tinham acontecido há duzentos anos, dois meninos eram levados, em outros, duas meninas e, certas vezes, um de cada

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   Os primeiros raptos tinham acontecido há duzentos anos, dois meninos eram levados, em outros, duas meninas e, certas vezes, um de cada. As idades eram igualmente variáveis; um poderia ter 16 anos e outro 14, ou ambos ter 12 anos recém-completos. Se, porém, as primeiras escolhas pareciam ser aleatórias, logo o padrão ficou claro. Um era sempre lindo e bom, o filho que todo pai gostaria de ter. O outro era rude e estranho, um excluído desde o nascimento. Um par oposto, arrancado de sua juventude e levado para longe.
   Naturalmente, os aldeões culparam os ursos. Ninguém nunca tinha visto um urso em Gavaldon, mas isso os deixava ainda mais determinados a encontrar um. Quatro anos mais tarde, quando outras crianças desapareceram, os aldeões admitiram que deviam ter sido mais específicos, e declararam que os ursos negros eram os culpados. Ursos tão negros que se mesclavam com a noite. Mas quando as crianças continuam a sumir a cada quatro anos, a atenção da vila desviou-se para ursos escavadores, depois para ursos fantasmas, e posteriormente para ursos disfarçados... Até que ficou claro que não havia urso nenhum.
   Enquanto os aldeões frenéticos produziam suas novas teorias ( a teoria do buraco negro, a teoria do canibal voador), as crianças de Gavaldon começaram a notar algo suspeito. À medida que estudavam as dezenas de cartazes com fotos dos desaparecidos afixados na praça, os rostos dos meninos e das meninas perdidos começaram a parecer-lhes estranhamente familiares. Foi quando abriram Deus livros de contos de fadas e encontraram neles as crianças raptadas.
    João, levado cem anos antes, não havia envelhecido nada. Ali estava ele desenhado, com os mesmos cabelos indisciplinados, as covinhas rosadas e o sorriso torto que o haviam tornado tão popular entre as garotas de Galvadon. Com a diferença que agora ele tinha um pé de feijão no quintal de casa, e uma queda por feijões mágicos. Enquanto isso, Angus, o desordeiro sardento de orelhas pontudas que desaparecerá no mesmo ano que João, havia se transformado em um gigante sardento de orelhas pontudas no alto do pé de feijão de João. Os dois meninos tinham encontrado seus caminhos para os contos de fadas. Quando, porém, as crianças apresentaram a teoria dos contos de fadas, os adultos responderam como quase sempre fazem. Afagaram suas cabeças e voltaram aos buracos negros e canibais.
   Então as crianças mostraram-lhes mais rostos conhecidos. Levada cinquenta anos antes, a doce Anya estava agora sentada em uma rocha iluminada pela luz do luar como  Pequena Sereia, enquanto a cruel Estra havia se tornado uma terrível bruxa do mar. Philip, o correto filho do pastor, tinha se tornado o alfaiatezinho esperto, enquanto a pomposa Gula assustava as crianças como a Bruxa da Floresta. Muitas crianças raptadas em pares tinham encontrado novas vidas em livros de contos de fadas pelo mundo afora. Uma sendo boa e a outra, má.
    Os livros vinham da Livraria de Contos de Fadas do Sr. Deauville, um cantinho mofado entre a padaria Battersby's e o pub Porco em Conserva. O problema, é claro, estava em saber onde o velho Sr. Deauville arranjava seus livros.
   Uma vez por ano, numa manhã que não havia como prever, ele chegava em sua loja e encontrava uma caixa de livros esperando por ele lá dentro. Quatro contos de fadas novinhos em folha, um exemplar de cada. O Sr. Deauville pendurava um aviso na porta de sua livraria: "Fechado até segunda ordem". Então ele aconchegava-se na sala dos fundos, dia após dia, copiando diligentemente as novas fabulas, a mão, até que tivesse livros suficientes para cada uma das crianças de Galvadon. Quanto aos originais misteriosos, eles surgiriam em uma manhã, na vitrine da loja, como sinal de que o Sr. Deauville finalmente havia concluído sua exaustiva tarefa. Ele abria as portas para uma fila de cinco quilômetros, que serpenteava pela praça, descia pelas colinas e contornava o logo, apinhada de crianças avidas pelas novas histórias, e pais desesperados para ver se algum dos desaparecidos tira sido caracterizado nas histórias daquele ano.
     Desnecessário dizer que o conselho dos Anciões tinha perguntas de sobra para o Sr. Deauville. Quando lhe perguntavam quem havia mandado os livros, ele dizia que não fazia a mais vaga ideia. Quando indagavam há quanto tempo os livros vinham aparecendo, dizia que não conseguia lembrar-se de um tempo em que os livros não chegavam. Quando perguntavam-lhe se alguma vez questionara aquela aparição mágica dos livros, ele respondia: "De onde mais os livros poderiam vir?".
    Então os Anciões notaram outra coisa nos livros do Sr. Deauville. Todas as vilas dos livros eram idênticas a Gavaldon. Os mesmos chales da margem do lago e seus beirais coloridos. As mesmas tulipas roxas e verdes que perfilam as estradas de terra. As mesmas carruagens vermelhas e lojas com fachadas de madeira. A escola amarela, e uma torre torta como um relógio. Tudo isso, no entanto, desenhado como se fosse uma fantasia em uma terra muito, muito distante. Esses vilarejos dos livros só existiam por um motivo; para começar e terminar um conto de fadas. Tudo entre o começo e o fim acontecia na floresta escura e infinita que cercava a cidade.
   Foi quando notaram que Galvadon também era cercada por uma floresta escura e infinita.
   No passado, quando as crianças começaram a desaparecer, os aldeões invadiram a floresta para encontrá-las, mas foram repelidos por tempestades, inundações, ciclones e arvores que caiam. Quando corajosamente conseguiram abrir um novo caminho, encontraram uma cidade escondida por trás das arvores, e vingativamente sitiaram-na, para mais tarde descobrir que era a sua própria cidade. De fato, independentemente do local por onde os aldeões entrassem na floresta, eles sempre saíam por onde haviam entrado. Pelo que parecia, a floresta não tinha intenção de devolver suas crianças. E um dia descobriram o motivo.
   O sr. Deauville tinha terminado de desempacotar os livros de contos de fadas daquele ano quando notou um grande borrão escondido em uma dobra da caixa. Ele passou o dedo e descobriu que o borrão ainda estava úmido de tinta. Olhando mais de perto, viu que na verdade era um selo com um elaborado brasão de um cisne negro e de um cisne branco. No brasão havia três letras:

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