As três bruxas do quarto 66

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Sophie não tinha certeza do motivo pelo qual seis lobos precisavam puni-la em vez de um, mas imaginou que seria para dar mais ênfase ao ocorrido. Eles prenderam-na em um espeto, enfiaram uma maçã em sua boca, e exibiram-na como um leitão de banquete, passando pelos seus andares do Salão da Malícia. Perfilando as paredes, novos alunos apontavam e riam, mas o riso transformava-se em caretas quando se davam conta de que aquela aberração de rosa seria uma de suas colegas de quarto. Os lobos rebocaram a exasperada Sophie, passando pelas portas 63, 64, 65, e depois deram um chute na porta do dormitório 66, e arremessaram-na lá dentro. Sophie entrou deslizando, até que seu rosto bateu em um pé cheio de verrugas.
"Eu lhe disse que ela ficaria com a gente", disse uma voz amarga.
Ainda amarrada ao espeto, Sophie olhou para cima e viu uma garota alta, de cabelos oleosos e mechas ruivas, batom preto, uma argola no nariz e uma tatuagem aterrorizante de um demônio chifrudo em volta do pescoço. A garota ficou encarando Sophie com olhos negros petrificados.

 A garota ficou encarando Sophie com olhos negros petrificados

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"Ela até tem o cheiro dos Sempres."
"As fadas logo pegarão isso de volta", disse uma voz do outro lado do quarto.
Sophie virou a cabeça e viu uma menina albina, de cabelos branquíssimos, pele clara e olhos vermelhos caídos, que estava servindo um guisado de um caldeirão para três ratazanas pretas. "Pena. Nós poderíamos cortar o pescoço e pendurar a cabeça no corredor para enfeitar."
"Que grosseira", disse uma terceira. Sophie viu uma menina risonha, de cabelos castanhos, sentada na cama, redonda como um balão de ar quente, com um picolé de chocolate em cada uma das mãos gorduchas. "Além disso, é contra as regras matar outros alunos."
"Que tal se apenas a desfigurarmos um pouquinho?", Disse a albina.
"Acho que ela é revigorante", disse a rechonchuda, dando uma mordida no picolé. "Nem todas as vilãs precisam cheirar e ter aparência depressiva."
"Ela não é uma vilã", disseram, simultaneamente, a albina e a tatuada.
Enquanto se contorcia para soltar-se das cordas, Sophie esticou o pescoço e teve a primeira visão completa do quarto. Algum dia talvez tivesse sido uma suíte aconchegante, antes que alguém ateasse fogo a ele. As paredes de tijolinhos estavam carbonizadas. Havia marcas chamuscada pretas e marrons pelo teto, e o piso estava coberto por uma camada de cinzas. Até os móveis pareciam queimados. Enquanto olhava, porem, Sophie percebeu que havia um problema ainda maior com o quarto.
"Onde está o espelho?", ela sussurrou.
"Deixe-me adivinhar", debochou a garota tatuada. "É Bela, ou Ariel, ou Anastasia."
"Parece mais Lindinha ou Docinho", disse a albina.
"Ou Cinderela, ou Aurora, ou Rosa Vermelha."
"Sophie." Sophie levantou-se em meio a uma nuvem de fuligem. "Meu nome é Sophie. Eu não sou uma 'vilã', não sou uma coisa, e sim, claramente não pertenço a este lugar, portanto..."
A albina e a garota tatuada dobraram-se de tanto rir. "Sophie!" A segunda gargalhou. "É pior do que qualquer um poderia imaginar!"
"Qualquer coisa chamada Sophie não pertence a este lugar", disse a albina. "Pertence a uma jaula."
"Eu pertenço à outra torre", disse Sophie, tentando permanecer acima da maldade delas, "motivo pelo qual eu preciso ver o Diretor da Escola."
"Preciso falar com o Diretor da Escola", a albina imitou. " Que tal pular pela janela e ver se ele a pega?"
"Vocês não têm nenhuma educação", caçoou a gorducha, de boca cheia. " Eu sou a Dot. Essa é Hester", ela disse, apontando para a garota tatuada. "E esse raio de sol", ela disse apontando para a albina, "é Anadil." Anadil cuspiu no chão.
"Bem-vinda ao quarto 66", disse Dot, fazendo um floreiro com a mão que varreu as cinzas da cama vazia.
Sophie retraiu-se olhando os lençóis comidos por traças, com manchas agourentas. "Agradeço as boas-vindas, mas realmente preciso ir andando", ela disse, recuando até a porta. "Poderiam me indicar o escritório do Diretor da Escola?"
"Os príncipes devem ficar tão confusos quando a veem", disse Dot. "A maioria das vilãs não se parece com princesas."
"Ela não é uma vilã", resmungaram Anadil e Hester.
"Preciso marcar um horário para vê-lo?", pressionou Sophie. "Ou mandar um bilhete, ou ..."
"Você poderia voar, eu imagino", disse Dot, tirando dois ovos de chocolate do bolso. "Mas os stymphs podem come-la."
"Stymphs?", perguntou Sophie.
"Aqueles pássaros que deixaram você aqui, amor", disse Dot enquanto mastigava. "Você teria que passar por eles. E você sabe como eles detestam vilões."
"Pela última vez", disparou Sophie. "Eu não sou uma vil..."
Sons ecoaram na escada. Era um zunido tão delicado que só poderiam ser...
Fadas. Elas tinham vindo buscá-la!
Sophie conteve um grito. Ela não se atreveria a dizer ás meninas que seu resgate era iminente ( quem poderia saber o quão seriamente haviam falado sobre transforma-la em um ornamento de parede). Ela recuou até a porta e ficou ouvido os zunidos, cada vez mais altos.
"Não sei por que as pessoas acham que princesas são bonitas", disse Hester, mexendo em uma verruga no dedo de seu pé. "Elas têm os narizes tão pequenos, como botõezinhos, que dão até vontade de arrancar!"
Fadas em nosso andar! Sophie queria começar a pular. Assim que chegasse ao castelo do Bem, ela tomaria o banho mais longo de sua vida!
"E seus cabelos são tão compridos", disse Anadil, balançando um camundongo morto para a sobremesa das ratazanas. "Dá vontade de arrancar tudo."
Agora estão a apenas alguns quartos de distância...
"E aqueles sorrisos falsos", disse Hester.
"E aquela obsessão por cor-de-rosa", disse Anadil.
As fadas estão na porta ao lado!
"Mal posso esperar para matar a minha primeira", disse Hester.
"Hoje é um dia tão bom quanto qualquer outro", disse Anadil.
Elas chegaram! Sophie inflou de alegria - nova escola, novos amigos, nova vida!
Contudo, as fadas voaram direto pelo quarto.
O coração de Sophie murchou. O que aconteceu? Como podiam tê-la esquecido? Ela passou correndo por Anadil, rumo á porta, escancarou-a e deu de cara com um monte de pelos de lobo. Sophie deu um pulo pra trás, e Hester bateu a porta.
" Você fará com que todas nós sejamos punidas", rosnou Hester.
"Mas elas estavam aqui! Estavam me procurando!", gritou Sophie.
"Você tem certeza de que não podemos mata-lá?", disse Anadil, observando suas ratazanas comerem o camundongo.
"Então, de que lugar da floresta você é, amor?", Dot perguntou a Sophie, cheirando um sapo de chocolate.
"Não venho da floresta", disse Sophie, impaciente, espiando pelo olho mágico. Sem dúvida, os lobos haviam afugentado as fadas. Ela precisava voltar à ponte para encontrá-las. Entretanto, agora havia três lobos vigiando o corredor, comendo uma refeição de nabos grelhados em pratos de ferro.
Lobos comem nabos? De garfo?
Havia, porém, outra coisa esquisita nos pratos dos lobos: fadas revirando a comida das feras.
Os olhos de Sophie arregalaram-se de susto.
Um pequeno menino-fada olhou-a de cima. Ele está me vendo! Fazendo uma concha com as mãos, Sophie fez mimica com os lábios "Socorro!" através do vidro. O menino-fada sorriu, compreendendo, e cochichou no ouvido do lobo. O lobo olhou para cima, viu Sophie, e estilhaçou o olho mágico com um chute brutal. Sophie cambaleou para trás, ouvindo um coro de risadinhas leves e gargalhadas rosnadas.
As fadas não tinham nenhuma intenção de resgatá-la.
O corpo inteiro de Sophie sacudia, estava prestes a explodir em pranto. Então ela ouviu alguém limpando a garganta e virou-se.
As três meninas olhavam, boquiabertas, com expressões igualmente confusas.
"O que quer dizer com ' você não vem da floresta?'", disse Hester.
Sophie não estava em condições de responder perguntas idiotas, mas agora essas patetas eram sua única esperança de encontrar o Diretor da Escola.
"Eu venho de Gavaldon", ela disse, contendo as lágrimas. "Vocês três parecem saber muito deste lugar; portanto, eu ficaria grata se pudessem me dizer se..."
"Isso fica perto das Montanhas Murmurantes?", perguntou Dot.
"Só as Nunca moram nas Montanhas Murmurantes, sua tola", resmungou Hester.
"Perto de Rainbow Gale, aposto", disse Anadil. "É de lá que vêm as Sempre mais irritantes."
"Desculpe, eu já estou perdida", Sophie franziu o rosto. "Sempre? Nunca?"
" Aquele tipo de Rapunzel trancada-numa-torre", disse Anadil. "Explica tudo."
"Sempre é como chamamos as benfeitoras, amor", Dot disse a Sophie. "Sabe, toda aquela tolice de felizes para sempre."
"Então, isso faz de vocês 'Nunca'?", disse Sophie, lembrando-se das colunas com as letras, na sala da escadaria.
"Abreviação de Nunca Mais", revelou Hester. "O paraíso dos malfeitores. Nós teremos poder infinito em Nunca Mais."
"Controlaremos o tempo e o espaço", disse Anadil.
"Assumiremos novas formas", disse Hester.
"Fragmentaremos nossas almas"
"Conquistaremos a morte."
"Somente os vilões mais malvados conseguem entrar", disse Anadil.
"E a melhor parte", disse Hester, "é que não há outras pessoas. Cada vilão ganha seu reino particular."
"Solidão eterna", disse Anadil.
"Parece um martírio", disse Sophie.
"Martírio são os outros", disse Hester.
"Agatha adoraria ficar aqui", Sophie murmurou.
"Gavaldon... isso fica perto das Colinas de Pifflepaff?", perguntou Dot, aérea.
"Ah, por Deus, não fica perto de nada", Sophie gemeu. Ela segurou sua programação, onde estava escrito, no alto, "SOPHIE, de ALÉM DA FLORESTA". "Gavaldon fica além da floresta. Cercada por ela de todos os lados."
"Além da Floresta?", disse Hester.
"Quem é seu rei?", perguntou Dot.
"Não temos um rei", disse Sophie.
"Quem é a sua mãe?", perguntou Anadil.
"Ela morreu", respondeu Sophie.
"E seu pai?", perguntou Dot.
"Ele trabalha no moinho. Essas perguntas são bem pessoais..."
"E de qual família de contos de fadas ele vem?", perguntou Anadil. "E agora as perguntas se tornaram bem esquisitas. Nenhuma família vem de um conto de fadas. Ele é de uma família normal, com problemas comuns. Assim como os seus pais."
"Eu sabia", Hester disse a Anadil.
"Sabia o quê?", perguntou Sophie.
"Leitores são os únicos que são tolos assim", Anadil disse a Hester.
Sophie sentiu seu sangue esquentar. "Lamento, mas não sou eu a tola se sou a única pessoa aqui que sabe ler; então, por que não se olha no espelho? Isso se conseguir encontrar um..."
Leitora.
Por que ninguém parecia sentir saudade de casa? Por que todos nadaram em direção aos lobos no fosso, em vez de fugirem e tentarem se salvar? Por que não chamaram por suas mães ou tentaram fugir das cobras no portão? Por que todos sabiam tanto sobre aquela escola?
De qual família de contos de fadas ele vem?
Os olhos de Sophie pousaram no criado-mudo de Hester. Ao lado de um vaso com flores mortas, de uma vela em formato de garra e de uma pilha de livros- Passando órfãos para trás, Por que vilões fracassam, Os erros frequentes das bruxas - havia um porta-retratos torto de madeira. Nele, havia um desenho de criança, com uma bruxa grotesca na frente de uma casa.
Uma casa feita de pão de mel e doces.
"Minha mãe foi ingênua", disse Hester, pegando o porta-retratos. Seu rosto relutou com a lembrança. "Um forno? Por favor. Ero só colocá-los na brasa. Evita complicações." Seu maxilar endureceu. "Eu vou me sair melhor."
Os olhos de Sophie passaram para Anadil e seu estomago embrulhou. Seu livro de contos de fadas predileto terminava com uma bruxa rolando em um barril de pregos, até que tudo que sobrava dela era uma pulseira feita de ossinhos de meninos. Agora a tal pulseira estava no pulso de sua colega de quarto.
"Conhece bem as bruxas, não", Anadil olhou de esguelha. "A vovó ficaria lisonjeada."
Sophie virou-se para olhar um pôster acima da cama de Dot. Um homem bonito, de verde, gritava, enquanto um executor cravava um machado em sua cabeça.

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