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   Esse é o fim? Fora tudo que rodeava meus pensamentos tão acelerados quanto o sangue que percorria minhas veias, tomando detalhes do que exatamente acontecia. Sangue escorrendo como se fosse infinito, sangue que não era meu, sangue que manchava tudo que encontrava pela no caminho: os assentos da frente, seu cabelo, o vidro da janela do carro esmagado ao lado. E antes que eu pudesse sussurrar ao menos um pedido de desculpas, enquanto nossa discussão ainda permanecia viva em minha cabeça, sua voz alta que agora se desfazia no eco dentro do carro, minhas pálpebras se fecharam levemente. Tão levemente que nem sequer parecia que estávamos naquele momento.

    É esse o fim de tudo? Ainda era possível ouvir meus pensamentos ao mesmo tempo que adormecia, culpando-me, e principalmente o motorista do caminhão que bateu unicamente em seu lado, um caos por si só, em todos os sentidos. Esse era o fim ao que tudo dizia; o que eu faria? Como viveria depois de tudo? Uma dor tremenda invadia meu corpo, dissociando todas as sensações, pensamentos, como se estivessem esvaindo para o fim, segurando firmemente ainda o volante, como se pudesse transferir meus sentimentos àquilo. Poderia ser um fim, mas por que um fim tão demorado? Por que tremendo tortura? Não conseguia nutrir forças para nada. Era impossível de abrir os olhos outra vez. Sem razões, uma linha simétrica surgiu a frente, expandindo-se e tomando conta ao redor, uma dor cada vez mais fina que atravessava meu corpo, porém trazia serenidade, tanta calmaria, uma que jamais senti, tornando-se mais intenso com os murmúrios que atravessavam meus ouvidos. Não compreendia o que ocorria, entretanto poderia quedar-me ali pelo tempo que fosse, talvez nunca me cansaria. 

   Quando despertei de supetão, o barulho da máquina ao lado não negava onde me ainda encontrava. Mais um sonho do mesmo acontecimento. Uma grande anestesia penetrava até em meus dedos, quis fumar. Odiava sentir aquela ansiedade. Odiava hospitais, e sobretudo o desconforto em minha destra. Tentei mover, não pude e quando notei, estava todo engessado; nunca tinha quebrado um braço, a sensação era tão estranha. Mas não fora nisso que pensei exclusivamente, e sim em Chloe, era tudo no qual pensava todas as três manhãs nas quais passei ali, e em tudo que passamos no carro. Desejava sair logo daquela maca, e quando estava prestes a isso, percebi uma presença no quarto. Impulsivamente, murmurei algum palavrão e propus-me a sentar na cama. 

— Bom dia, Romeo. Como está?  – a enfermeira disse, uma voz suave de sempre, paciente. Chamava-se Anne. 

— Veio trocar os curativos? – reclamei um pouco, não respondendo sua pergunta, claro que estava péssimo –  Não tá um pouco cedo? É sobre a Chloe?…– Como minha voz soava estranha ao acordar não me interessava, era estranho vê-la tão cedo, e meus questionamentos sempre terminavam sendo sobre Chloe, não era mais surpresa que absolutamente nada além de dela era meu foco principal naquela situação, pois havia certo mistério desde do dia em que estava internado, como se algo não devesse ser dito. Precisava vê-la, necessitava pedir desculpas pelo que tinha a dito. 

— Vim trocar seus curativos. – continuou tranquila. Bocejei um pouco, e então suspirei. Queria logo que ela acabasse para retornar a ficar sozinho novamente no quarto. Sempre que tinha tal pesadelo, acordava mais cansado do que nunca e em um emaranhado de sentimentos estranhos, 

— Você prometeu de que contaria sobre como tá a Chloe, sabe que a porcaria desse hospital não me deixa ver ela. – comentei frustrado.

— É, mas agora vim trocar seus curativos. – tentou sorrir por algum motivo, enquanto preparava os itens que usaria. — O ponto é que, Romeo… – ela deu um longo suspiro. — O estado de Chloe não é nada bom. – soou baixo, como se não devesse estar me contando aquilo. Enfim, contou-me algo do qual já esperava, tinha antes me preparado para receber a notícia, por isso não demonstrei surpresa, mas precisava urgentemente de um cigarro, não aguentaria passar tanto tempo sem um.

Memórias Perdidas Entre Estradas e Fogo.Onde histórias criam vida. Descubra agora