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Pensei tanto sobre meu irmão, que sentia-me doente por toda dor que meu corpo provocava ao pensar em seu rosto, seus olhos e em como éramos tão parecidos; refletindo também quantas vezes esbarrei na confusão e fiquei preenchido de questões em relação ao seu falecimento; não compreendia o motivo por tê-lo perdido. Coincidia como se todas as pessoas que eu amava, partissem sem hesitar.

Me negava a olhar através das janelas do ônibus, pairando o olhar sobre a tela do celular que ainda não ousava ver o que continha dentro, ao mesmo tempo que escutava Radiohead; lembrava desta banda, conhecia as letras, e esse fator me trazia a sensação de que nem tudo em minha memória estava perdida. Suspirei fundo antes de abrir a galeria do celular, meus pés inquietos de ansiedade e o coração começando a bater mais forte. Não fazia ideia do que esperar, e em um ato de impulsividade abri a primeira pasta.

Sem fotos de parentes; diversas imagens de Chloe e seus sorrisos, às vezes leves ou não. Tinham também imagens de algumas fitas que ganhei de presente dela em dias especiais, só então recordando da coleção de fitas que eu possuía em casa, guardadas na última gaveta do criado-mudo; como pude esquecer de significantes detalhes? Suspirei mais uma vez e três vezes depois, apertando os olhos para impedir novos pensamentos de surgirem, porém de que adiantava? Aliás, não chegava a ser uma surpresa o surgimento de novas palavras soando em minha mente, apertando-a sem fim.

A primeira coisa que faria ao chegar em casa, definitivamente seria ouvir as fitas produzidas para mim, quantas vezes fossem necessárias até alcançar a coragem precisa para pôr em prática minha ideia. Não queria viver mais além daquele dia, não conseguiria, nem ao menos me imaginava passar daquele dia. Um fim inacabado que necessitava ser oficializado verdadeiramente; direto e sem voltas. A valentia se desenvolvia em meu peito aos poucos, tímida e talvez se negando a realizar o feito no qual decidi sem rodeios algum. Minha espinha arrepiava em me imaginar vivo ainda, levando uma vida extremamente miserável, junto a culpa que desencadeou de minhas mãos e abraçava meu corpo tão forte como uma mãe. Um caminho sem volta; a única solução que surgia em mente para o fim de toda agonia.

Perdi-me em devaneios, mas não perdi o lugar o qual deveria descer. Compraria cervejas e cigarros para só depois caminhar solitariamente para casa. Não custaria tanto e de fato não custou, como se estivesse virando costume passar naquele bar tão monótono e vazio, tão vazio quanto o buraco que se formou em mim. Andei lento para casa, a destra envolvendo a cerveja que anestesiava a mão pelo gélido, e a canhota segurando entre os dedos um cigarro, cujo a chama aproximava-se de queimar os dedos, aquecer. Quando o primeiro fumo acabou, acendi outro em sequência, demoraria para chegar em casa com tanta lentidão, mas propositalmente, pois tentava adivinhar as emoções que viriam sem aviso prévio ao escutar as fitas deixadas para mim.

Quando abri a porta de casa, tive de lidar com o anseio de ouvir as fitas. Fora a primeira coisa que fiz ao pisar em casa, fui buscar as fitas para tocar a primeira e assim sucessivamente; cada uma continha cinco músicas. Quando a primeira soou, eu estava a deitar na cama fria, para ouvir e beber um pouco mais, o quanto fosse necessário. Duas garrafas foram terminadas junto das duas primeiras fitas, lembranças apossando-se do subconsciente, a época em que eu tinha meu grupo de amigos que se distanciaram logo depois para outros estados, quando eu fumava sem motivos e usava o mesmo casaco de couro para me sentir em minha essência de alguém que apenas escutava rock, durante a faculdade onde ninguém realmente compreendia quem eram de verdade, inclusive as pessoas que eu costumava andar, sendo Chloe uma delas. Naquele momento não fez sentido nenhum indagar-me sobre quem eu era logo quando estava prestes a ser consumido pelo fogo que pretendia acender sobre minha pele. Deixei questões existenciais para lá, não possuíam mais seus sentidos. Fiquei ali, mais duas cervejas de garrafas vazias, mais quatro restos de cigarro. Faltaria muito ainda para acabar, ainda restava quatro garrafas e quatro fitas.

Memórias Perdidas Entre Estradas e Fogo.Onde histórias criam vida. Descubra agora