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   Aguardei seu retorno durante mais tempo do que podia, sem comer como deveria, simplesmente ali, esperando para vê-la; um nervosismo que consumia-me como se dependesse daquilo para viver, uma imensa ansiedade gelando meus dedos que nem com a chama do cigarro tornavam-se mais quietos, e ter de sair para fumar foi um dos piores fatores. Quis ter uma máquina do tempo para avançar, na verdade quis ter tantas e inimagináveis coisas. Ela encontrava-se em uma cirurgia de extrema urgência, e saber disso queimava meu nervos. 

   Quando os passos pesados no corredor em que eu estava se aproximaram, logo prestei atenção, abanei as mãos com certo nervosismo e notei que finalmente era alguma notícia do doutor para mim. Porém onde estava Chloe? Por que estava vindo ele para me informar de algo? Inevitavelmente, meu coração saltou ao pensar no pior, entrando em negação antes mesmo de ouvi-lo falar. O doutor aproximou-se de mim, um semblante sério, e então proferiu suas primeiras palavras.

— Sinto informar, mas Chloe faleceu nesta tarde, por complicações em seu estado. – disse pausadamente, me causando uma forte ânsia, uma sensação de que a qualquer momento minha consciência pudesse sair voando de meu corpo. — Meus pêsames. 

  A partir daquele momento, a única coisa que estive apto a fazer fora retornar a sentar no assento, encostei meu corpo com um certo peso na parede e permiti-me fechar os olhos, escutar os pequenos ruídos que circulavam junto de um zumbido apavorante. Era o fim de tudo; por que eu ainda estava vivo? Injusto que alguém tão especial como ela partisse dessa forma. Sem notar, deixei lágrimas teimosas escorrerem em meu rosto, incessantes e aceleradas. Perdi a noção do tempo, a cabeça prestes a eclodir de tanto chorar. O incômodo dos machucados eram mínimos perante aquilo. E nem ao menos me importava com quem pudesse me ver naquele lugar. Agora meu perdão não existia mais, impossível de entregá-lo, de soar em minha boca, de até mesmo dar-lhe um curto beijo nos lábios. Nada disso existia mais, nada além de memórias que agora eram falhas e poucas em relação a ela, em questão de todas as pessoas as quais passaram ao longo de minha vida. Desejei partir junto dela, entretanto agora tinha de aceitar o fato de ela ter me deixado de vez, ao mesmo tempo que meu coração bombeava e o olhar não se tornava vítreo. A culpa inteira estava comigo agora e nada me faria largar disso, poderia lembrar todas as manhãs ao abrir meus olhos a partir daquele horário.

   Passei muito tempo apenas sentado ali, lamentando sobre os ocorridos, sentindo remorso de mim mesmo. Não fazia a mínima de ideia de como retornaria para casa naquele estado, com o mundo desmoronando e quebrando minha espinha tão devagar. Não foi possível achar uma forma de como chegar em casa com meus pensamentos a mil, desconexos entre si. Às vezes pegava-me refletindo sem completar a questão, vindo apressadamente outro pensamento em sequência.

  Quando me levantei depois de certo minutos, foi para ir lá fora fumar, tomar coragem para pegar o ônibus e ir para casa. Fumei dois cigarros, restando quatro no maço; deveria ter comprado dois maços. Sempre fazia tudo errado, para variar. Sem delongas, me retirei do estacionamento, caminhando leve como se minhas pernas não fossem minhas, meu corpo inteiramente anestesiado, mais do que meu braço direito engessado. E no ponto de ônibus, esperei checando o nome de cada ônibus que passava para conferir se era o mesmo anotado no papel em meu bolso, porém antes, comprei outro maço de cigarro. O veículo não custou tanto, na verdade nem soube direito, não me sentia bem para contabilizar o tempo, sem dúvidas ainda passaria em algum lugar para comprar bebidas, caso contrário não conseguiria dormir aquela noite, não quando ainda tinha pesadelos para me atormentar. 

   Durante a viagem de ônibus, encostei a cabeça no vidro, sendo tão bizarro sentir o veículo andando, porém não me lembrava tanto do carro pelos ruídos que provocava. Entretanto era tão inexplicável a sensação que transbordava em mim ao ver o cenário da cidade passar pela janela, as cidades; eu conhecia aquele caminho. Exatamente o mesmo que tínhamos traçado naquela manhã onde tudo se desfez ao invencível vento. Quando ela terminou para que eu começasse… começasse uma vida sem um pingo de essência, sem seus cabelos crespos para cheirar. Nada fazia sentido, nem as paisagens que passavam pela janela, soava como se o redor houvesse morrido junto dela. Um vasto e profundo buraco de enorme imensidão. 

Memórias Perdidas Entre Estradas e Fogo.Onde histórias criam vida. Descubra agora