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   Minha mãe permanecia sentada, taça de vinho sobre a mesa, seus dedos cheiravam a cigarro, e eu nunca pude detestar tanto um cheiro como aquele. Seus olhos cabisbaixos desmanchavam-se em lágrimas escuras em resultado do rímel que derreteu pelo calor de suas lágrimas grossas. Decorações de natal ao fundo, era possível ouvir os fogos tocarem; ao menos tinha meu irmão ao meu lado, por mais que internamente não pudesse compreender a situação. Somente almejava tirar minha mãe daquele lugar, fazê-la melhor, entretanto Diego impedia-me ao segurar-me pelo braço, em um momento, nossa mãe chegou a nos olhar com algo diferente estampado em suas íris, um sentimento do qual nunca pude a ver ter. Não se tratava apenas de tristeza, muito menos da predominante fúria, parecia ainda mais como se estivesse incrédula. Em um misto de incontáveis emoções que se enlaçavam e se expressavam nas gotículas que caíam de seus olhos em encontro à toalha de mesa, que sujou-se ao ponto de ela jogar fora mais tarde, como se pertencesse a uma memória dolorosa. Estávamos no natal, e minha mãe chorava junto de um peso inexplicável e impossível de sentir em outra pessoa além dela. A sua dor, em pleno natal. Por um longo tempo não compreendi e retornei a esquecer que meu pai tinha nos deixado naquele dia exato, nos apagado de sua vida como se fôssemos objetos sem valor e mortos sem possuir um coração que batia. Não recordava-me de seu rosto, e incrivelmente, fora a única coisa a qual agradeci em não lembrar. Flashbacks fluíram através de meus olhos dos anos em que não festejamos mais o natal após aquele episódio, e em como a dor de minha mãe se espalhou pela casa, idêntica a uma praga que detona tudo que vê pela frente e corrói porque necessita. 

   Vi-me pensando em infinito em relação a tudo isso depois do sonho que tive para descobrir e explorar mágoas do passado. Ainda estávamos na praia, e era possível enxergar o mar para fora da janela, contudo não olhei como procurava sempre fazer, daquela vez, não conseguia fazer nada além de olhar o café em mãos, perdido em pensamentos que soavam altos demais. E não me forcei a trocar o assunto principal em minha mente; precisava sentir aquilo e de tanto permitir-me sentir a sensação atravessar meus próprios ossos, chorei em silêncio sem perceber, sem buscar secar o que escorria pelo meu rosto. Era o meu momento, e justamente por ser meu que exigia de mim mesmo aproveitar tal. Ironicamente, não procurei evitar, como geralmente costumava fazer. Eram lembranças retornando, as quais procurava sobre as minhas origens. Por mais que trouxessem um sentimento de tristeza profunda que atravessava meu corpo, envolvendo-o de dentro para fora, se fazia preciso lembrá-las para saber quem eu era de fato. 

  Imerso em tantos pensamentos, não prestei atenção quando Idris chamou meu nome do outro lado, retornando para dentro da Kombi, carregando o sutil cheiro de cigarro; pensei que houvesse parado, disse a mim mesmo. Quando Idris me chamou pela terceira vez, dei ouvidos ao perceber; questionava sobre o que iríamos comer para o café da manhã, sugerindo torradas que havia comprado, mas honestamente, não ligava muito para tal questão, assim dei de ombros ao dizer que qualquer coisa estava boa. Ele sentou-se ao meu lado na cama, trazendo biscoitos, e me ofereceu. Não conversamos sobre nada, somente apreciamos o cheiro de sereno tomando conta de tudo e o sol fraco que era estampado lá fora. Não queria comentar sobre o que tanto mantinha preso em minha cabeça, por mais que pudesse sentir que Idris desejava ouvir-me falar em um desabafo. Pretendendo mudar um pouco o foco, tomei as primeiras palavras. 

— Pensei que tivesse parado de fumar. — comentei, dando o meu último gole na caneca de café antes de enchê-la outra vez um pouco até a metade. 

— Só durante as manhãs, e só. — argumentou, não soando tão orgulhoso disso. De supetão, levantou-se para trazer o notebook em sua cama para o seu colo ao sentar-se ao meu lado outra vez. — Precisamos achar algum lugar com internet ou não iremos conseguir fazer muita coisa. 

— É, acho que estamos indo hoje. — Mudei de assunto como solicitado, sem me incomodar. — Mas, sério, não queria deixar aqui tão cedo... — adicionei. 

Memórias Perdidas Entre Estradas e Fogo.Onde histórias criam vida. Descubra agora