Capítulo 4: Dia 45

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"Não posso esconder o orgulho que sinto de ser porto-riquenho. Esse é o meu pensamento, não importa onde eu vá".

(Soñando Con Puerto Rico, Bobby Capó)


     O mês de outubro alcançava sua metade e o outono tingia a paisagem de Manhattan com tons cinzentos e desbotados. Enquanto seu carro deslizava pela autoestrada, Rita não deixava de pensar que passara semanas e semanas se preparando para aquele momento, mas ainda não se sentia pronta.

     Uma parada no semáforo deu a pausa que precisava para espiar o relógio em seu pulso e calcular quanto tempo faltava até que sua vida se transformasse por completo. Não chorava diante de outras pessoas, então abafou sua tristeza, determinada a deixá-la vir à tona pela madrugada, onde ninguém a veria ou tentaria a consolar com frases genéricas e pouco efetivas.

     Apesar da personalidade rústica e da masculinidade que o envolvia feito uma casca, Ayán era um homem sensível. Encarava sua filha em silêncio e compreendia as inseguranças e medos dela. Rita era forte, mas humana. Estar sozinha não a faria desistir de seus objetivos, mas, decerto, a abalaria.

     Por um instante, considerou a possibilidade de permanecer nos Estados Unidos e não abandonar sua menina, mas estava cansado demais para aquele país. Precisava voltar para casa antes que a idade o privasse de aproveitar sua terra, sua gente e sua cultura.

     No banco traseiro, apertada entre algumas malas, Emília mantinha um sorriso largo e não parava de tagarelar. Sempre colocara Rita em primeiro lugar e conseguira garantir a ela a vida que sonhara para si mesma, mas depois de quase duas décadas inteiras longe de Porto Rico, seu país de origem, sentia que estava na hora de voltar para casa.

     Diferente de quase todas as pessoas que conhecia, Rita não era movida à paixão. Deixava a racionalidade falar mais alto e não achava difícil fazê-lo, mas naquele sábado nublado, encontrava dificuldade para agir de acordo com o seu padrão. Entendia que os pais estavam desgastados após tantos anos como imigrantes nos Estados Unidos, mas por que ir embora naquele momento, quando a tão sonhada estabilidade tinha chegado?

     Nova Iorque era a cidade perfeita para perseguir ambições, mas frenética demais para se envelhecer. Rita não era egoísta a ponto de desejar que os pais, beirando os setenta anos, continuassem vivendo ali, mas que tal comprar uma casa na Flórida e viver num bairro com outros imigrantes bem-sucedidos? Passara meses tentando encontrar uma alternativa àquela mudança, mas seus pais estavam determinados a deixar a vida de imigrantes para trás.

     — Ainda dá tempo de vocês mudarem de ideia. — Rita tentou barganhar. — Vocês viajam com metade dessa bagagem, passam uns meses lá e depois voltam.

     O sorriso que se desenhou nos lábios de Emília misturava acalento e pesar. A filha e ela já tinham tido a mesma conversa milhares de vezes, mas Rita ainda não a compreendia.

     — Tá na hora de voltar pra casa, mija*. Você e seus irmãos ainda são novos e tem muito o que conquistar por aqui, mas nosso tempo já passou — a mãe argumentou.

     — Vocês se mataram de trabalhar a vida inteira. Por que vão voltar quando tá tudo tão bem?

     — Quando eu vim pra cá, vim por você e pelos seus irmãos. Não vim por mim mesmo — Ayán se explicou. — Agora vocês estão feitos na vida, não precisam da gente pra mais nada. Eu quero descansar, ficar com a minha família. Eu quero falar minha própria língua e me sentir em casa.

1.827 Dias - Livro I (AMOSTRA)Onde histórias criam vida. Descubra agora