"Como posso te dar tudo que sou capaz se você amarra minhas mãos?"
(Ain't no Way, Aretha Franklin)
Diferente do habitual, o andar de Zoey era lento e pesado, expressando sua enorme hesitação em ir ao trabalho naquela manhã fria de janeiro. Sim, o clima congelante a fazia se encolher dentro de seu casaco e odiar-se por ter esquecido o cachecol sobre o sofá, mas a razão do andar vacilante era outra.
Entre a estação de metrô na qual descia e a entrada do prédio onde trabalhava, havia uma curta caminhada ao ar livre, perfeita nos dias quentes e torturante em dias frios como aquele. O vento que soprava parecia cortar fora as bochechas carnudas da garota, que mal podia esperar para adentrar o enorme edifício e abrigar-se do frio.
Deu uma olhadela para o alto e percebeu o topo do prédio envolto em neblina. Trabalhava no 90° andar e adorava a sensação de passar um dia inteiro entre as nuvens, embora ficasse aflita quando o vento soprava mais forte, balançando o prédio com suavidade. Sofreu de mal-estar durante as primeiras semanas de trabalho, mas Justin garantia que nem o mais forte dos ventos seria capaz de trazer aquele prédio abaixo.
Zoey teve de retirar as mãos do bolso para procurar o crachá, que sempre esquecia de manter consigo para passar pela entrada. Correu os olhos pelo saguão, procurando por Justin, que a esperava perto das escadas rolantes. O percebeu encolhido nas roupas pretas, que contrastavam com sua cor pálida. Mesmo de longe, reparou no enorme curativo na lateral da cabeça dele, resultado da briga da noite anterior.
Assim que notou a amiga, Justin sorriu. No entanto, o sorriso se desfez quando percebeu que o queixo de Zoey tremia e os seus olhos lacrimejavam. Ela deu dois passos lentos e então correu até ele, abraçando-o e deixando suas lágrimas caírem. Mesmo sem entender aquela reação, o rapaz permaneceu abraçado a garota, esperando que ela tivesse condições de explicar o que tinha acontecido.
— Minha mãe morreu — a voz de Zoey falhou antes que pronunciasse a última palavra.
Justin calou-se por não saber o que dizer. Pegando-a pelo braço, a fez sentar-se em um dos assentos estofados que se espalhavam pelo saguão, ajoelhando-se diante dela enquanto a deixava chorar. O choro era sentido e trazia soluços e palavras não terminadas. O rapaz queria entender o que tinha acontecido, mas era mais importante confortar a garota. Acariciava os seus braços e secava as lágrimas que caíam sem parar.
— Meu irmão me ligou de madrugada — explicou ela, entre soluços.
— Glover, mas por que você tá aqui? — questionou a amiga, tirando um lenço de seu casaco e o estendendo para ela.
— Meu irmão vai demorar horas pra chegar, e eu vou ter que cuidar de tudo sozinha. Não quero fazer isso, não consigo.
O desespero de Zoey a confundia. Além do irmão e da mãe, ela também tinha um pai. Tomando seu rosto nas mãos, a encarou com firmeza.
— Você não vai fazer nada sozinha. Eu vou lá com você e a gente vai ajudar o seu pai, tá bom? — Justin falava baixo.
— Foi o meu pai, Jay. Ele matou a minha mãe.
A última frase de Zoey saiu gemida, espremida por suas cordas vocais. Ainda assim, atingiu Justin feito uma rocha. Sem palavras, ele não sabia como ajudaria a amiga, mas ficaria ao seu lado enquanto ela precisasse.
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1.827 Dias - Livro I (AMOSTRA)
RomanceNova Iorque, 1997. A iminente chegada do novo milênio agita a vida dos moradores de uma das maiores metrópoles do mundo. As mudanças no estilo de vida e nas relações acontecem mais rápido do que se pode acompanhar. Alheios a essa realidade, cinco am...