"Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz".
(Imagine, John Lennon)
Por mais que sentisse dor, Justin mantinha-se firme e cheio de coragem. Atos geram consequências, e ele sabia bem disso. O saldo da noite tinha sido mão, cabeça e nariz machucados; a mão por bater, o nariz e a cabeça por apanhar. Em sua mente, gabou-se. Considerando que a briga fora um tanto desigual e que não socava ninguém desde a faculdade, orgulhava-se do resultado.
Sentado na calçada do Scully's, o bar onde tudo tinha acontecido, ouvia seus amigos dizendo que ele tinha que parar de comprar suas brigas e deixar alguns desaforos entrarem por um ouvido e saírem por outro; o rapaz discordava. Com a mão esquerda, pressionava um saco de gelo contra o nariz, enquanto Zoey, sua amiga, colocava outros em sua mão direita e cabeça. Seus dedos congelavam e o seu peito subia e descia num ritmo acelerado.
— Isso não é normal e vocês não podem aceitar — Justin protestou.
— Juice, a gente sabe, mas você precisa entender que a gente não briga porque não vale a pena. — Alan explicou-se para Justin, voltando a falar após uma breve pausa: — Eu tenho medo de que você acabe se metendo em alguma coisa mais séria por tentar defender a gente.
Num primeiro momento, Justin até pensou que Alan tinha sido mal-agradecido, mas depois percebeu que o amigo tinha um pouco de razão. Talvez tivesse sido meio inconsequente, mas o que deveria ter feito? Calar-se enquanto seus amigos engoliam desaforos?
— Eu não suporto essas coisas. E, se a gente deixar acontecer sempre, essa situação nunca vai mudar — Justin pontuou, afastando o saco de gelo do nariz, com a voz gemida pela dor.
Rita passou a mão pelas costas de Justin, sentindo-se sortuda por ter alguém como ele em seu grupo de amigos.
— Eu não tenho esperança de que essa situação vá mudar enquanto eu viver — Rita lamentou-se. — Se eu puder ficar em paz dentro de casa, já tô satisfeita.
Justin balançou a cabeça, secando na calça social a mão molhada e dormente. Agradeceu à Zoey e abraçou as pernas enquanto meditava sobre o tempo e lugar onde vivia, convicto de que tudo deveria ser diferente.
Era Nova Iorque e a década de 1990 estava em sua reta final, dando os últimos suspiros para trazer à vida um novo milênio. Justin não precisava se preocupar com preconceitos, afinal, sua posição social não o deixava ser atingido por pensamentos tão rudimentares. Não passava por dificuldades financeiras, racismo ou homofobia. Entretanto, era humano demais para calar-se ao ver a intolerância alcançando seus queridos amigos.
Michael e Alan vinham passando despercebidos há um bom tempo, mas, assim que começaram a se relacionar, tiveram de lidar com o medo de que a relação fosse descoberta e os prejudicasse no trabalho.
Rita era uma imigrante porto-riquenha abertamente lésbica. Ainda que sofresse preconceitos, se destacava como uma das melhores corretoras financeiras da Behrle & Foulger Brokers e era vista por seus superiores como uma profissional muitíssimo competente, o que ainda não a impedia de ganhar um pouco mais que a metade do salário de Justin, mesmo trabalhando há mais tempo na empresa.
Zoey era recém-chegada ao grupo, mas tinha encantado a todos com seu jeito espontâneo e com o apego à cultura afro-americana, herdado a partir da origem de seus pais. Justin achava divertido como o visual do cabelo dela mudava com frequência, variando entre o natural crespo e volumoso à altura dos seios até box braids no comprimento da cintura. A pele negra da garota contrastava com seus olhos grandes e cor-de-mel, capazes de arrebatá-lo a cada conversa que tivessem. Não sabia muito sobre ela, mas já tinha se apaixonado pelo pouco que conhecia. A única parte da qual não gostava era ela ter um namorado.
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1.827 Dias - Livro I (AMOSTRA)
RomansaNova Iorque, 1997. A iminente chegada do novo milênio agita a vida dos moradores de uma das maiores metrópoles do mundo. As mudanças no estilo de vida e nas relações acontecem mais rápido do que se pode acompanhar. Alheios a essa realidade, cinco am...