A enfermeira ficava horrorizada toda a vez que nos via, isso porque estávamos felizes demais para crianças prestes a perder a mãe. O que ela não sabia era que já éramos órfãos desde o nascimento, quando Ofélia escolheu não cuidar de nós. Nessa altura, nunca teríamos sobrevivido até ali se não fosse pela boa vontade dos vizinhos.
Tudo isso mudou quando ela descobriu o quanto seus hábitos tinham lhe feito mal, mas aí já era tarde demais.
Maria sempre dizia que estava ocupada demais cuidando de João para ficar no leito, embora eu suspeitasse que ela não tinha interesse algum em ver nossa mãe, então a função sobrava para mim. Mas não me importava muito, porque eu tinha dez anos, então todas as coisas anteriores eram fáceis de esquecer. Além disso, Ofélia era gentil comigo, o que me levava a apreciar os momentos de visita.
Foi assim quando ela falou do Diego.
Estava sentada em uma cadeira ao lado do leito, folheando uma revista sem saber ler, quando Ofélia me olhou e disse:
— Você é linda.
— Obrigada. Você também.
Isso era verdade, mesmo com o corpo sendo consumido pela doença, minha mãe se destacava pela sua beleza. Sua pele oliva e os traços marcantes marcantes levavam muitos a acharem que ela era estrangeira e nós nos parecíamos muito, exceto pelo cabelo. Enquanto o meu era loiro, o dela era tão escuro quanto piche, mas isso só servia para realçar seus olhos róseos cor-de-mel.
— Já contei que foi seu pai quem escolheu seu nome? Sabe o que significa?
Neguei com a cabeça.
— Amor. — Ela sorriu — Ele até fez um poema para você: "Um grão de areia captura, uma taça perfeita chamando, apesar da menina". É um haiku. Seu pai era um escritor incrível.
Aquelas frases não faziam muito sentido para mim, mesmo assim as decorei, porque soavam bonitas.
Ultimamente ela não parava de falar dele, a enfermeira disse que era comum aos doentes terminais.
Segundo Ofélia, meu pai era um homem muito bonito e inteligente, que tinha muito dinheiro. Ela nunca contou sobre mim, porque na época em que estavam tendo um caso, ela ainda era casada com o pai dos meus irmãos e tinha certeza que só eu era filha dele por causa da pele clara e do cabelo. Todas essas histórias alimentaram minha esperança de que um dia ele descobrisse sobre a condição de Ofélia e viesse nos buscar, mas quando isso aconteceu já era tarde demais. No início das férias escolares minha mãe morreu e nós fomos mandados para casa de passagem.
Nas primeiras semanas quebramos os recordes de dispensa. Sempre acontecia de um casal gostar mais de um ou de outro, mas quando eram informados de que éramos três, negavam a adoção. O que deixava Maria enfurecida, porque ela estava disposta a ir embora dali com ou sem nós.
Nos dias de visita, ela nos obrigava a tomar banho e nos arrumar, como se tivéssemos alguma chance. Mas eu sempre buscava me isolar, não queria correr o risco de chamar a atenção de algum casal e passar pelo processo de dispensa todo de novo. Além disso, estávamos bem ali, estávamos indo à escola, tínhamos comida e muitas crianças com quem brincar, o que mais eu poderia querer?
Assim, sentava-me em um canto atrás da quadra, dedicando-me a desenhar. Até que um dia ouvi alguém chamar meu nome.
Olhei para cima e pude ver um homem de pé na minha frente, nada parecido com os outros pais. Nunca fui boa com idade, mas ele não parecia velho o suficiente para ter filhos e ao invés da combinação de camisa polo com bermuda e sapatênis, usava um terno de linho como se fosse alguém importante. Olhei ao redor e ele não parecia estar acompanhado de nenhuma esposa mal humorada.
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A Lista De Porcos Da Menininha
RomanceDiego Silva é um escritor renomado, mas por trás do seu sucesso, há uma mente perturbadora. Quando Aime perde a mãe e recebe a notícia da identidade de seu pai, até então, desconhecida, ela fica deslumbrada com o mundo glamouroso que Diego aparenta...