◇Zira◇

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Sim, a cabana estava suja, tremendamente suja, mas não tinha forças e vontade o suficiente para limpar.

Pegou sua mochila ainda ao lado da porta de entrada e a colocou sobre a mesa.

Apesar de não parar durante o caminho, Taia pegou algumas coisas que poderia mantê-la viva e "saudável" durante o tempo que precisaria passar na aldeia.

As atividades da aldeia eram exclusivamente de subsistência, eles retiravam da natureza somente o necessário para viver, a moeda deles eram a troca, comutação. Taia não pretendia matar nenhuma outra criatura_ mas não se importaria de o fazer_, portanto precisava de coisas que pudesse trocar por pratos de comida feita, já que essa era a única coisa que a fazia dependente de outros wildes.

Retirou da bolsa diversos temperos, como a pimenta-de-macaco, baunilha do cerrado_ única orquídea frutífera_, cumaru, cacau e mandioca.

Algumas coisas seriam pouco relevantes, mas o o que valeria por muito tempo era a baunilha e o cumaru. Doce era o ponto fraco do clã Cibele da taberna, porém ainda assim estaria a disposição deles caso precisassem de qualquer coisa, de bom grado.

No fundo da bolsa, retirou a faca que usara durante estrelas e lembrou das lanças que afiou, e da barriga da tapiti que rasgou.

A colocou sobre a mesa.

_ "Nunca matarei", "Nunca tocarei em um único fio de cabelo, ou pelo de uma criatura, para machucar e ferir"_ recitou enquanto revirava a faca na mão_ Promessas são apenas palavras ao vento.

Passou a mão no fundo da bolsa para se certificar de que não havia mais nada, e sentiu como se fosse seda, passou os dedos por aqueles diversos fios que se escrontavam e desencontravam em duas direções, e delineou a o círculo que formava, amarrado com um pequeno pedaço daquele tecido estranho.

Com os dedos tremendo ela retirou a pulseira e fitou os cabelos avermelhados trançados, as pontas verdes se escontrando com a outra parte vermelha, fazendo um degradê perfeito.

Pensou na pulseira que também dera a Bloedrooei feita com uma mecha de seu cabelo. Seus dedos continuaram a tremer e segurando na palma das mãos ela observou a tatuagem e aquele cabelo escarlate de pontas imaturas, todos os fios colados por sangue.

Fechou a mão com força em volta da pulseira.

_ Mas uma promessa..._ a bile queimou sua garganta e podia sentir a tensão do ar, como se os átomos e moléculas do ar tivessem parado de se movimentar.

_ Mas essa eu vou cumprir..._ "É fácil fazer algo quando não se tem nada a perder", pensou, "Ou... muito difícil".

Deixou a pulseira sobre a mesa e soltou o ar devagar, se apoiou na mesa e fitou o teto. Depois de longos minutos o encarando, ela foi interrompida pelo ronco de sua barriga.
Abriu a torneira e lavou tudo o que trouxe, encheu uma bacia de água e colocou no filtro.

Ouviu os passos lá fora, os burburinhos de crianças brincando, onde estavam cada batida de coração, onde um wilde lavava uma rede, onde em várias cabanas o jantar começava a ser preparado, onde alguém fazia cachaça, onde uma cabana era varrida, onde cachorros corriam atrás de riros, onde muitos voltavam carregando criaturas mortas... mas todos sorriam, todos estavam felizes e em paz, como se nada tivesse acontecido.

Taia se enfureceu, sentiu a pele arder, e os olhos secaram. Se aproximou da janela perto a explodir de raiva e então parou e suspirou.

_ Nada disso é culpa deles_ encostou a cabeça na janela_ Não é culpa deles_ respirou devagar se acalmando e abriu a janela.

A brisa quente e amadeirada veio ao seu encontro. E lá fora tudo estava do jeito que sentiu, cada pulso, cada batida de coração naquele mesmo lugar.
Seu estômago roncou outra vez e ela revirou a terra do canteiro da janela, arrancando as raízes mortas e os talos secos das flores tão raras que um dia viveram ali. Mas as enterrou outra vez.

A Herdeira Do FlamoOnde histórias criam vida. Descubra agora