4. Serendipidade

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Durante a quarta série, quando uma vez tive que escrever um pequeno texto para um trabalho de redação, me deparei com a pergunta de onde vinham as melhores coisas da vida. Eu nunca havia parado para refletir sobre aquilo. Acho que qualquer criança de oito anos não havia chegado ao ponto de parar e questionar-se sobre coisas que, por menores e invisíveis que pareçam, podem fazer uma grande diferença. Lembro-me de ter passado o dia todo pensando naquilo, porque a simples ideia de não ter uma resposta para as coisas não me agradava. Não naquela época, pelo menos.

Eu pude descobrir a resposta apenas alguns anos depois, quando estávamos sob a árvore deformada, conversando sobre qualquer coisa possível. O simples fato de estar ali fez todo o sentido.

As melhores coisas da vida vêm de descobertas afortunadas feitas por acaso. Coisas acidentais que mudam tudo. Serendipidade.

Mas eu jamais poderia dizer que, aqui e agora, entre estantes cheias de livros e o sussurro de adolescentes cansados, o fato de Jeon Jungkook estar diante de mim era acidental.

— Então sabe meu nome? — perguntou, com seu sorriso costumeiro crescendo aos poucos e uma das sobrancelhas arqueadas.

Assim que seus olhos negros fitaram os meus, senti todo o ar ficar pesado à minha volta e a sensação de formigamento subir por minhas pernas, quase em um alarme vibrante e inaudível para eu não me esquecer de continuar existindo.

Esperava que aquele momento simplesmente passasse e eu voltasse para a realidade, continuando a fazer qualquer coisa e voltar à minha rotina cansativa e nada interessante.

Esperava piscar e perceber que não, ninguém estava ali além de mim e minha pacata vida continuava exatamente igual. Perceber que as coisas continuavam as mesmas e sonhar cada dia mais com o dia em que eu tomaria coragem e ergueria a cabeça. Com o dia em que eu enfrentaria meus medos e faria acontecer tudo o que eu esperava que acontecesse.

Eu só não esperava que isso acontece mais rápido que o planejado, de forma que eu não pudesse fazer nada como o planejado.

— Acho que significa que sabe porque estou aqui. — concluiu, ainda sob o pesar de minha atenção e com o mesmo sorriso que ostentava desde a primeira vez que o encontrei. Tirou a mão da estante e ficou ereto, cruzando os braços e desviando seu olhar para o chão. Deu alguns passos em minha direção, percebendo que eu estava paralisado demais até para pensar em me levantar e o cumprimentar.

Porque eu estava. A última gota de senso e consciência havia escapado de minhas mãos no exato segundo em que sua voz soou por aquele pequeno lugar nos fundos de uma biblioteca velha escolar.

— Sou Jungkook, mas pode me chamar de qualquer coisa. Jungoo, Jeongguk ou só Jeon, também. — Parou, apenas alguns passos de distância dos meus próprios pés. — Do que eu posso te chamar?

Sua expressão mostrava que agora ele realmente precisava de uma resposta, mas as palavras estavam entaladas na minha garganta fundo demais para eu conseguir dizer qualquer coisa.

Gostaria de me lembrar do momento em que tive a oportunidade de realmente ter uma conversa de verdade com o único ser humano que eu não gostaria de conversar como algo glorioso, do qual eu me orgulhasse anos depois. Mas eu estou fazendo exatamente o que fiz da primeira vez que nos conhecemos.

No chão, parado e encarando ele.

É uma verdadeira ironia estar assim depois de tantas vezes ensaiando o modo que eu o faria saber de minha existência no espelho do meu guarda-roupa. Ele formou um V entre suas sobrancelhas, e eu soube que minha chance passaria bem diante dos meus olhos.

Com Amor, Park • jikook!Onde histórias criam vida. Descubra agora