O caixão fora depositado no centro da capela. Acima dele, o crucificado. No fundo, uma mesa com velas acesas e por todo o lugar, flores. Gente sentada e de pé, chorando ou apalermada. Familiares, amigos da família, colegas de escola.
Leonardo passara a noite com um tio na funerária, providenciando os documentos para sepultar o irmão. Sem o pai por perto, tornou-se homem em vinte e quatro horas, a despeito dos seus quinze anos de idade.
Lia chorava muito, e não dava sinais de querer parar. Estava transfigurada. Ao seu lado, Leonardo recebia os cumprimentos. Não olhava para o cadáver e não conseguia chorar. Prometia a si mesmo que se o pai não chegasse a tempo, nunca o perdoaria.
Sentiu pousar de leve a mão de alguém sobre seu joelho. Era Cláudia, uma amiga da escola. Tinha o semblante contraído de preocupação:
— Léo?
Sem responder, pela primeira vez visivelmente emocionado, lançou um olhar condoído à amiga, e recebeu um abraço que era mais que um conforto. Era uma lembrança da sua miséria.
— Estou aqui — ela disse — Não vou te deixar sozinho.
Só então pôde chorar.
***
Às 09:05 hrs, quando as portas do avião se abriram, Ricardo foi o primeiro a sair. Correu em direção à saída, passou pelo finger que dá acesso ao corredor do desembarque, virou à direita e continuou correndo, até alcançar a escada rolante. Não trouxera bagagem.
Saltou para dentro do táxi e mandou tocar para o cemitério São João batista.
— Quanto tempo?
— Mais ou menos meia hora sem trânsito. — respondeu o motorista.
— Por favor, tente ir o mais rápido que puder. Preciso enterrar meu filho.
Tirou o celular do bolso, ligou para Leonardo, Lia, alguém. E nada, ninguém atendia. Eram 09:35 hrs.
Lá fora, pessoas, carros, nuvens. Todas sem forma, flutuando à espera de significado. Com Alan, tinha morrido alguma coisa que de certa forma fazia sentido.
***
A cada minuto, a raiva de Leonardo aumentava. Cláudia permaneceu ao seu lado, segurando sua mão.
“Mais uma vez ele falhou”, pensava. O relógio marcando 09:50 hrs. Às dez, Leonardo decidiu proceder com o enterro. Virou-se para Cláudia:
— Chegou a hora.
— Seu pai ainda não chegou, vamos esperar mais um pouco.
— Era pra estar aqui às nove. São 10 horas. Vai inventar uma desculpa e dizer que ficou preso no trabalho.
— Deve ter acontecido alguma coisa, espera mais um pouco.
— Não aconteceu nada, ele sempre fez isso com a gente. Porque isso mudaria agora?
Cláudia ficou sem argumentos. Leonardo se ergueu:
— Chegou a hora do sepultamento.
Lia despertou do transe de lágrimas em desespero:
— Não! Ninguém vai tirar meu filho de mim!
Leonardo tentou consolá-la.
— Ele vai pra um lugar melhor, mãe. Precisamos deixar ele ir.
Lia estava descontrolada, totalmente fora de si. Agarrou-se ao corpo do filho e gritou:
— Ele vai pra casa! Abre o olho filho, vamos com a mamãe!
— Para com isso, mãe! Ele morreu, tá morto!
— Alan não tá morto! Não diz isso! Você sempre teve ciúmes dele e agora quer tirar de mim a única pessoa que me compreende!
— Filho!
Súbito, Ricardo irrompe na capela e seu grito vem se juntar à agonia dos presentes.
— Eu cheguei filho! Papai tá aqui! Perdão filho! Papai te ama!
Leonardo, ao ver aquela cena, em que os pais só tinham olhos para o irmão morto, o amor que sentia transformou-se em fúria.
— Chega! Não aguento mais! — Leonardo interrompeu o episódio patético — Vocês sempre amaram ele mais do que a mim! Vão pra cova com ele.
Correu para fora. Os presentes estavam atarantados. Lia voltou-se para Ricardo:
— Assassino! A culpa é sua! Você destruiu essa família! Eu te odeio!
Ricardo ouviu tudo em silêncio, sabia que, no fundo, Lia tinha razão.
A única coisa que pensava naquele momento era em vingança. E talvez o único que merecesse sofrê-la realmente fosse ele mesmo.
***
FIM DA PRIMEIRA PARTE
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Eu, Inabalável
Misterio / Suspenso“Leonardo desperta. Olha para o relógio de cabeceira e percebe que ainda tem bastante tempo para se arrumar e ir para o colégio. Ao se levantar sente algo diferente. Verifica o quarto. Tudo está em seu devido lugar. Ele coça os olhos para ter certez...