As Crises Da Era Young

Ano 2006

01 de Janeiro de 2006

Confraternização Mundial. Casa. Na Varanda. 12h08m

Oi!

O ano começou! Que legal! (Leia com sarcasmo).

Todo ano é a mesma ladainha, promessas que não vou cumprir, mas faço para me sentir parte da multidão que faz promessas. Me sinto até mais religiosa.

Demorei a começar a escrever, nem sei como devo lhe chamar. Aliás, como chamar algo inanimado de: você??

Tá vendo? Não consigo nem estabelecer uma relação de amizade. A mim é só um caderno onde preciso escrever alguma coisa.

Não acredito que mamãe fez isso!!!

Ir na psicóloga todo o santo sábado, tudo bem. Vou sem reclamar. Mas voltar para casa com um... diário.

Segundo o psicólogo eu não me abro. Preciso liberar minhas emoções.

Claro que não me abro. Primeiro, sua mãe te ensina a nunca dar intimidada para um estranho e depois, convida um estranho para saber da sua intimidade. Qual a coerência disso? Como ela queria que eu reagisse?

Agora vou parar de escrever. Um amigo da minha mãe que veio para o almoço de ano novo está sentado ao meu lado e neste exato minuto tenta ler o que eu escrevo.

"Sei que você está lendo! Para de ler o que eu escrevo seu esquisito!!!"

P.S: O cara pigarreou e deu o fora. O nome disso que fiz com ele, segundo minha mãe é: malcriação.

02 de Janeiro de 2006

Casa. Sofá. 06h08m

Percebi que não me apresentei. Pensei a respeito e vou tentar te enxergar como alguma coisa que respira. Preciso me apresentar.

Me chamo, Niobe.

Não faço ideia de que dia seja hoje. Nem consigo acreditar que estou escrevendo como se você fosse um ser vivo. Meu Deus! Acabei de te chamar de você!... E o que é você?

Não sei nem quem sou eu!!

Talvez por isso seja difícil entender o que se passa comigo. Tem uma lista de obrigações, de expectativas e ainda sou obrigada a me preparar para me relacionar com as pessoas, quando me sinto em meio a uma selva!

Tem cá seus lindos animais, de olhos bonitos, possivelmente com nomes esquisitos para não serem de tudo, perfeitos, mas não sei como explicar... Não sei como explicar que espécie de jovem sou eu!! Talvez você deva se chamar: Jornada. Ou Descoberta. É isso que vou fazer contigo. Descobrir o caminho. Para saber quem eu sou.

P.S: 1. Tirar meu tênis do varal, antes que mamãe dê com ele na minha cara. 2. Ir ao mercado e comprar pilha para o controle remoto, um quilo de linguiça, ovos, leite, bacon, e não esquecer o papel higiênico.

04 de Janeiro de 2006

Ainda em férias. Monótono. Varanda do Tiguez. 10h10m

Nunca chorei tanto como ontem. Agora não é possível que minha ainda entre na pilha do meu irmão e duvide que sou uma garota! O que ela acha que pariu?! Um protótipo de dinossauro? Um ornitorrinco? Droga! Estou cheia de ficar nessa casa com o marido da mamãe transitando no mesmo ambiente que eu. Explico: Meus pais se separaram há muito tempo. Papai é bem presente fico com ele um final de semana de 15 em 15 dias. Ele paga minha pensão corretamente e não é desprezível como o homem com quem minha mãe se casou. Sério o Wanderley é desprezível.

Papai é um artista plástico e curador de uma galeria aqui no centro da cidade. Meio esquisito, confesso. Vive entre seus ataques de choros e risos. Mas é um cara muito gente boa. E lembra de ir no mercado e comprar papel higiênico, o que significa muito para mim.

Mamãe é enfermeira. Entre os plantões, limpa a casa, cozinha, berra e briga. As vezes ela ri, mas vive tão estressada com seu casamento que está raro ver mamãe fora do modo: tô puta com a vida!

Wanderley é motorista de ônibus, comigo ele se esforçava para ser legal. Mas sempre que meu pai aparece, tem prazer em me fazer me sentir uma merda. Como se uma coisa compensasse a outra.

Hey! Esse negócio de escrever até que está dando certo, não é? Veja, (com que olhos eu não faço ideia, afinal, és um caderno), mas veja, consegui contar uma coisa ou outra sobre mim.

E Tiguez agora lê em voz alta tudo o que escrevi até aqui. Vou quebrar ele na porrada e na força do ódio e volto depois!

P.S: Lembrar de tirar o lixo da cozinha antes da mamãe chegar. Lembrar de pagar a dentista amanhã. Comprar shampoo e um cd do The Strokes antes que mamãe esqueça que deixou e me peça o dinheiro de volta.

07 de Janeiro de 2006

Monótono. Muito monótono. 20h10m

Vamos surtar! A gente não tem absolutamente nada para fazer. Nada acontece por aqui. Além de nossas exaustivas idas ao mercado comprar tudo o que minha mãe tem certeza absoluta que comprou e que simplesmente somem do armário. Meu armário da despensa só pode ser um armário sumidouro e tudo está indo parar na Travessa do Tranco! Mamãe odeia Harry Potter. Então é mais fácil ela estar com um princípio de Alzheimer mesmo. Disse isso e ela jogou um chinelo no meu da minha fuça. Tiguez quase não se recupera de rir.

Não entendo. Mamãe vive me dizendo para ser sincera. Quando sou, minha retribuição é horrível! Depois ela reclama que não me abro...