CAPÍTULO III

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Presa àquele quarto, Olga começou a discernir sobre como agira anteriormente. Uma fúlgida lucidez a iluminou e ela teve consciência da gravidade do que ocorrera. As palavras que dissera tingiram-se de um pesar moral que nela perturbou, e assim parou de coagir como uma maníaca. Teve de ser atada pela mãe aos cantos da cama, pois era tomada de uma loucura incessante, e agora isso a obstruía de locomover-se, mesmo que estivesse arrependida.

Os pulsos já machucados pelo atrito às amarras agora repousavam aos sopés da cabeceira de madeira daquela cama precária produzida com palha, e demonstravam perfeitamente toda a situação mental da jovem, que encontrava-se cansada demais por tentar ser demasiadamente livre. A submissão que sofrera havia se tornado uma indignação que não poderia guardar para si própria, entretanto aquele toque... O fulgor da superfície idosa, transmitindo-lhe segurança e sensatez, fez-lhe repensar sobre tudo isso, de forma estoica e ignota, e divulgar uma verdade à tempos entalada em seu orifício vocal para sua família.

Cansara-se disso. Desde menina estivera à mercê dos propósitos dos mais velhos, e agora teria que sujeitar-se aos gostos de um homem que não conhecia, e pior, pois teria que jurar seu sagrado amor à esse deplorável ser, e gerar-lhe filhos para perpetuar uma linhagem bastarda. Mal conhecia Harmann e já o odiava, e nos seus desejos mais íntimos o blasfemava, como se invocasse mil demônios. Dentro de si não havia religião que impedisse de ser quem realmente queria.

Não compreendia a existência de Deus, tampouco da repressão de seu pai, e por isso abominava os dois entre tantos outros motivos de ódio que guardava. Fazia pouco caso das coisas, mas comportava-se moralmente, pois a dor do cerne não estava presente na carne.

E foi quando esqueceu do seu ódio, e tomou-se por medo do que aconteceria, que então sentiu a pressão baixar. Sua respiração ficou suspensa por longos instantes. Então as mãos escaparam das amarras, ficando livres no berço da cama. Sentiu-se leve e perplexa por como havia se solto espontaneamente daquela pequena "prisão". Ignorou todo o ínfimo medo que tivera antes, apesar de saber como ele era essencial, agora só pensava em como conseguira se soltar.

Não encontrou respostas, então logo em seguida, clamando por medo, foi até a porta fechada e bateu com força, suplicando que abrissem. Talvez alguém tenha escutado, mas tudo que acontecera à mesa era motivo o bastante para que fosse ignorada. Pensavam que nela residisse um mal maior.

Cercada por indiferença e incompreensão, Olga não ousou gritar ou fornecer outro movimento ensurdecedor àquele meio. Contentou-se em apenas continuar quieta, sem perturbar o sono de ninguém. Estando sentada com as ancas no chão, permaneceu ao canto da cama, de braços cruzados enquanto refletia sobre as coisas. Porém foi somente quando cessou de indagar-se mentalmente que percebeu todo o silêncio e escuridão do local, e amedrontou-se com tal. O fato de estar sozinha a aterrorizava. A solidão era algo que odiava.

Quando Olga estava tão intacta, a ponto de parecer integrar-se ao ambiente, foi que escutou os galhos de árvore seca penderem-se contra a janela. Estando essa celada fortemente, a jovem não teve noção do que ocorria do lado de fora. Era comum que batessem contra a abertura em dias de chuva forte ou ventania, mas naquele momento não haviam nenhum dos dois ocorridos castigando os céus.

O barulho se transmitia rispidamente pela superfície de alvenaria da janela celada, como se deixasse suas marcas do lado externo da superfície. Ao mesmo tempo o barulho era alarmante, à equiparar à frequência sonora dos guinchos de um leitão prestes à ser abatido. Se espalhavam por todo o ambiente e aterrorizavam a pobre jovem, que arrependia-se de todos os pecados nesse exato momento. Mas foi quando a visibilidade sonora de que o galho se despendera e voltara à posição original, que ficou evidente como não eram eles que raspavam contra a madeira. O som continuava, mesmo sem os galhos pendidos.

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