Logo que entrou em casa, segurada pelo braço ao comando do pai, Olga foi instruída até a mesa de um dos cômodos, onde era servido o jantar. Lá estavam seus seis outros irmãos, sua mãe, e até mesmo seu tio Grimald, o irmão mais novo de seu pai que já estava há dias alojado na sua casa.
A mesa era enorme, e como era de costume, Agnus sentou-se na ponta ao lado da janela, onde a recém desperta luz da lua o banhava iluminado. Na outra ponta, entretanto, havia alguma coisa que repelia os outros. Ninguém se contentava com aquele local ou se afeiçoava com ele a ponto de lá sentar-se. De dia essa relação era diferente, mas agora, que a noite tomava conta da passagem da terra, o breu local era uma passagem para ir ao inferno, como interpretavam.
Quem sentava-se mais perto daquela ponta era Olga, que por falta de opção teve que lá se estabelecer, ao lado esquerdo. Velas iluminavam a imensa mesa, entretanto havia um clima pesado e sombrio entre aqueles que ali jantavam.
Uma das irmãs mais velhas de Olga, Adelaid, serviu-a com a solução aquosa contendo aveia. Teria a achado repugnante se tivesse enxergado, entretanto nem a luz, tampouco a fome, ofereciam tais luxos.
Era costume entre os filhos de Agnus, que esses deixassem suas famílias e viessem passar as ocasiões bíblicas junto do patriarca, e pelo menos seria assim até que houvesse-o. Cada filho já tinha sua respectiva casa e porção de terra, localizada perto, senão na mesma localidade, da de Agnus, além de claro, já terem família e até filhos. Todos com exceção de Olga, e do outro caçula, Kunz Pater.
Segundo Agnus, esse outro filho havia sido um castigo de Deus imposto à ele e Ute, já que Kunz Pater era um filho indesejado, fruto de uma relação acidental. Era pouco mais velho que Olga, apenas dois anos. Sempre fora tratado com despeito em relação aos outros irmãos. Não havia tido o mesmo prestígio do mais velho, Sieger, em morrer lutando em uma guerra, ou do segundo filho, Konrad, de casar-se com a filha de um grande camponês da região.
Estava muito jovem ainda, mas via-se sem perspectiva de futuro algum, e encontrava-se exatamente como um cão preso à corda de seus pais, tentando fugir, mas nunca considerando degolar a amarra.
Eram em sete irmãos, e como já dito, o primogênito Sieger morrera em uma das guerras contra o povo do oeste, e Konrad havia se casado e proliferado-se em uma terra próspera. A terceira era Adelaid, que havia se casado com um primo distante de sua mãe, e vinha ocasionalmente visita-los, mais especificamente na páscoa e no natal. Depois havia Erhard, cunhado de Harmann Weistdmann e vassalo de suas terras, e Zelda, que havia se casado e se mudado da casa dos pais à pouco mais de um ano.
Todos comiam calados, emitindo grunhidos famintos enquanto embebiam-se com a refeição oferecida. A luz das velas era fraca, e o pouco que se observava eram as faces mal iluminadas dos presentes à mesa. A pesada escuridão deixava-os invisíveis dentre aquele sútil e apertado cômodo. Cada um parecia estar mais próximo do outro conforme suas pupilas piscavam. Em um momento, Olga sentia-se em uma extensão desértica de madeira seca, e na outra encarava seu pai olho no olho, como se estivessem lado a lado.
Foi muita dessa exaltação de Olga e do âmbito sombrio que a noite trouxera consigo que motivaram Agnus a finalmente quebrar o silêncio. Como patriarca era além do esperado que fosse ele quem fizesse isso, e com razão disse: "Você não está preparada, Olga".
Todos fixaram suas pupilas perplexas no cenho fechado do pai, que parara de tomar sua refeição, enquanto deixava os braços com os cotovelos acomodados à mesa. Foi Ute que contraveio, "O que está dizendo...", mas Agnus calou-a apenas com um olhar disciplinador, e depois de mais silêncio, retomou a introduzir sua fala: "Está sempre andando pelos lados, vendo coisas e alucinando com tentações e provações. Eu não entendo o que há com você, Olga. Em pouco tempo será esposa, e no futuro dará luz aos filhos de seu marido. Do modo que vem agindo não terá capacidade para reger tudo isso".
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BRUXARIA
HorrorEm uma vila no leste europeu, em meados do século IX, uma família é assolada pela presença de uma suposta "bruxa", que os aterroriza intermitentemente, trazendo as piores maldições e pragas para essa linhagem. Não se sabe muito sobre ela, ou porque...