Foi com os berros de Ute que Agnus acordou. Atônito e quase catatônico naquele mar de escuridão, os clamores vinham aos ouvidos como zumbidos de insetos repugnantes. Depois de certa insistência, conseguiu diferenciar e raciocinar o que escutava: "Santo Cristo, Agnus! Olga não está mais em casa!". Chegando a duvidar da sentença da esposa, Agnus julgou apenas virar-se para o lado e continuar dormindo enquanto Ute continuava gritando, mas como era um bom marido e pai, decidiu atender à súplica.
Ao levantar-se e sentar-se na cabeceira da cama, enquanto ainda recorria coçando às olheiras, perguntou-me grosseiramente: "Do que você está falando?". A resposta da esposa, que encontrava-se de pé, ao lado da cama, segurando uma vela que realçava suas olheiras e seus longos cabelos desgrenhados, foi curta e rápida. Como uma boa mãe, é claro que estaria preocupada com a filha. Ao acordar no meio da madrugada sentiu-se obrigada em vê-la, e verificar se estava bem. Ao encontrar a porta do quarto escancarada, e a cama e a janela destroçadas, empalideceu-se, e não soube se temia pela filha ou se temia a filha! Aquela atitude só poderia ser tomada por alguém que estivesse possuído, como ela imaginava, ou pelo próprio demônio.
Agnus acordou metade da família enquanto caminhava furioso, com a vela em mãos, até o quarto de Olga. Havia sido acordado por besteira, como julgava. Blasfemou mentalmente, enquanto continha-se apenas bufando o ar pesado que tragava dos pulmões, mas ver e comprovar o que Ute lhe dissera acalmou o coração precipitado. Não houve prece que confortasse seu púlpito coração quando avistou o caos que o demônio fizera no quarto de sua filha.
Caiu de joelhos chorando, arrependido por todas as vezes que imperou à ela e a recorrera como uma mera serva de suas vontades. Se arrependeu da submissão que fizera-lhe passar, e temeu a fonte de tudo de desprezível que nela estivera presente. Não seria por acaso que esse mal ascendesse nela. Toda a indiferença e servidão, além de ódio que sofrera pela parte de Agnus era o grande motivo, como pensava o próprio pai, para gerar tal veio de repugnância. De repente Agnus viu-se culpando a si mesmo, enquanto caído de joelhos gritava alto: "Meu Deus, traga ela de volta!".
Onde estaria seu Deus nesse momento? Apesar de tudo o que fizera a filha passar, ainda fora um homem vigente ao seu senhor e à igreja, não merecia passar por tudo isso. Agnus sempre esteve lá para louvá-lo, mas agora via a inutilidade dos fatos quando clamava por socorro e ninguém o respondia. Foi tomado por um ataque de raiva após isso, pensando em como sua vida sempre fora uma mentira.
Chutou e esmurrou os restos da cama que lá jaziam, e pela imensa fenda que encontrava-se onde era a janela, observou o horizonte. Ute, que nem ao menos pensava direito, pegou-se aos prantos pedindo ao homem que parasse. Agnus, porém, se acalmou não com esse pedido, e sim quando avistou muito além a estrada de terra em meio às grandes paineiras. Lembrou-se das aparições da bruxa, e da história dita por Grimald, e então soube a causa de tudo.
Voltou correndo para o corredor, onde lá estavam o restante da família, assustados e ignorantes quanto ao ocorrido. Aos solavancos, Agnus pediu com lucidez que se retirassem da sua frente enquanto clamava pela presença do irmão. Grimald, entretanto, nem estava presente dentro de casa, ao contrário. Como era um costume seu, na madrugada de sexta-feira santa andava solitário pela borda do lago Eidechse, e lá executava seu ritual anual.
Em memória à esposa e ao seu primogênito falecidos, à várias primaveras entregava ao lago onde havia passado boa parte de sua vida, a pele do melhor animal que havia caçado durante o ano. Já haviam sido três peles, munidas de um couro invejável que poderiam fazer parte muito possivelmente da coleção real de pelagens. Eram realmente muito bonitas, e por isso Grimald era sobretudo julgado, justamente por dedicar o seu melhor trabalho em um "simples ritual".
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BRUXARIA
HorrorEm uma vila no leste europeu, em meados do século IX, uma família é assolada pela presença de uma suposta "bruxa", que os aterroriza intermitentemente, trazendo as piores maldições e pragas para essa linhagem. Não se sabe muito sobre ela, ou porque...