Capítulo 01: São apenas pensamentos conturbados e sussurros perturbadores

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O alarme do toque de recolher já havia soado, estamos todos caminhando para os nossos quartos depois do jantar, como de costume. Estamos cansados, principalmente meu pai. Ele teve um dia de trabalho complicado para ele. Estamos em guerra. Há bastante tempo, para ser sincera. Todas as produções estão paralisando, incluindo a indústria têxtil onde meu pai trabalha como operador. Os trabalhadores estão entrando em greve, paralisando todo o sistema de produção. Estão abdicando de suas obrigações para dedicarem-se às suas famílias, protegê-las ou se voluntariarem para lutar na guerra.

Como há poucos trabalhadores remanescentes, a rotina de trabalho foi dobrada. Há bastante voluntários ou pessoas obrigadas a entrarem na guerra pelo Governo, contudo, não podemos parar. O Governo não vai suprir as nossas necessidades se meu pai abandonar o emprego para cuidar de sua própria vida. E da nossa também. Estaríamos à beira do abismo.

Mais do que já estamos.

Estou terminando a escola, mas recentemente minha irmã e eu temos ficado em casa. Graças ao último bombardeio, tudo o que restou de minha escola foram apenas escombros.

Então, estou por aqui.

Eu sigo para meu quarto, depois de um delicioso jantar com batatas assadas, arroz marinado e hortelã, e me deito. O quarto é pequeno, com uma pequena janela que emana uma luz fraca e prateada emitida pela lua grande e redonda. Um cômodo relativamente pequeno para duas camas, uma penteadeira e duas adolescentes literalmente acabadas.

Olho para o meu lado direito, à procura de minha irmã por entre as cobertas de sua cama, do outro lado do quarto.

– Hey, Lara? Acorda, ainda não está na hora de dormir. – Eu sussurro para ela, chamando sua atenção. Ela move-se um pouco, depois se vira para mim e me lança um olhar cansado e divertido. Há um sorriso bobo em seus lábios.

Ela tem o mesmo sorriso da mamãe. Na verdade, elas são extremamente parecidas, mas apenas na personalidade. Na aparência, é quase impossível acreditar que são mãe e filha se alguém não o disser. Enquanto mamãe e eu temos os cabelos avermelhados e olhos verdes, Larissa tem os cabelos negros e olhos ainda mais escuros, como os do papai. Entretanto, isso é a única coisa em que mamãe e eu somos semelhantes. Na verdade, somos extremamente diferentes. Minha mãe é mais altiva, mais bonita, mais corajosa e gentil. Eu não sou assim. 

Minha mãe diz que acabei puxando mais para o meu pai. Até mesmo nas coisas mais bobas e insignificantes como o mesmo sorriso, o mesmo jeito de andar, o mesmo jeito de mastigar a comida – às vezes esquecemos de alternar as passadas de uma bochecha para a outra e quando o fazemos, sempre seguimos o mesmo padrão: mastigamos três vezes do lado esquerdo, cinco do lado direito –. Além disso, somos assustadoramente calmos em situações de perigo, o que me ajudou a não morrer nos últimos dezessete anos de minha vida.

– Sim, Ann – responde ela para mim. Eu sorrio. Eu sei o que ela quer, afinal é para isso que a chamei. É um costume. Afasto um pouco , abrindo espaço na cama para que ela deite ao meu lado. Ela sai lentamente de suas cobertas, tremendo um pouco por causa do chão gelado e do clima frio. Ela passa as mãos sobre os braços cruzados, a fim de esquentar o seu corpo pequeno. Aconchega-se ao meu lado e eu começo a fazer carinho em seus cabelos longos. Ela olha para mim. Sei o que esse olhar significa. Um olhar desejoso, cansado, melancólico e, ao mesmo tempo, travesso. Então começo a abrir a boca para fazer soar cada nota de nossa canção. Havia composto esta canção para ela no porão há alguns anos, quando éramos menores e quando ela tinha mais medo. Ela estava chorando, perto de mamãe e então cheguei mais próximo a ela, a fim de acalmá-la. Improvisei uma canção para que ela dormisse.

A canção é composta de somente oito notas. As três notas iniciais repetem-se três vezes e as outras cinco somente uma. Na verdade, ela é um tanto sombria, isso talvez por causa do medo que pairava sobre nós naquela noite. Todos nós desfrutávamos da mesma sensação: terror. Acho que isso pode ter influenciado um pouco. Apesar desta contraditória, a canção funcionou como um calmante para ela e em poucos segundos, adormeceu. Mas como sou uma péssima musicista, acabei não inventando uma letra para a canção. Por isso, ela é apenas uma melodia criada numa hora curiosa, num momento infernal para uma menina de sete anos.

A Heroína Imperial [EM HIATUS]Onde histórias criam vida. Descubra agora