Capítulo XXXII - Chá com Mrs. Douglas

1K 170 12
                                    

Na noite da primeira quinta-feira após sua chegada a Valley Road, Janet convidou Anne para acompanhá-la à reunião de oração. Janet florescia feito uma rosa quando participava de tais reuniões. Usava um vestido de musselina azul pálido, salpicado de amores-perfeitos bordados e com mais babados do que jamais se poderia esperar da econômica Janet, e um chapéu branco de palha trançada, enfeitado com rosas e três penas de avestruz. Anne teve uma enorme surpresa ao vê-la. Mais tarde descobriu o motivo que fazia Janet arrumar-se dessa maneira... um motivo tão antigo quanto o Éden.

As reuniões de oração de Valley Road pareciam ser essencialmente femininas. Estavam presentes trinta e duas mulheres, dois rapazes adolescentes e um homem solitário, além do pastor. Quando deu por si, Anne estava analisando esse homem. Ele não era bonito, nem jovem ou gracioso. Tinha as pernas notavelmente longas – tão longas que era preciso mantê-las encolhidas embaixo da cadeira – e seus ombros eram curvados. As mãos eram grandes e tanto os cabelos quanto o bigode precisavam dos cuidados de um barbeiro. Mas Anne gostou do semblante dele, que expressava gentileza, honestidade e ternura; e também havia algo mais – algo que Anne achou difícil de definir. Ela finalmente concluiu que aquele homem tinha sofrido e se mantido forte, e isso estava estampado em seu rosto. Em sua expressão havia um tipo de resignação paciente e humorística, indicando que poderia chegar às situações mais extremas se fosse necessário, mas que continuaria parecendo simpático até realmente começar a se aborrecer.

Ao término da reunião, este cavalheiro aproximou-se de Janet e disse:

— Permite-me acompanhá-la até sua casa, Janet?

Janet tomou o braço dele, "tão afetada e tímida como uma mocinha de dezesseis anos, sendo acompanhada pela primeira vez", como Anne relatou às meninas de Patty's Place, um tempo depois.

— Miss Shirley, permita-me apresentá-la ao Mr. Douglas – ela disse, com cerimônia.

Mr. Douglas assentiu e comentou:

— Estive contemplando-a durante a reunião, senhorita, e pensando que adorável jovenzinha a senhorita é.

Noventa e nove pessoas entre cem teriam incomodado Anne amargamente se tivessem dito essas palavras, mas o tom com que Mr. Douglas as proferiu fizeram-na sentir que havia recebido um elogio muito verdadeiro e sincero. Ela sorriu de forma apreciativa para ele, e seguiu-os amavelmente pela estrada iluminada pela luz do luar.

Então Janet tinha um pretendente! Anne estava encantada. Janet seria uma esposa exemplar – alegre, econômica, tolerante, e a própria rainha das cozinheiras! Seria um vergonhoso desperdício da Natureza se ela ficasse solteira para sempre.

— John Douglas pediu-me que a levasse para conhecer a mãe dele – ela anunciou, no dia seguinte. — Ela passa a maior parte do tempo em cima da cama e nunca sai de casa. Mas gosta muitíssimo de ter companhia e sempre quer conhecer minhas pensionistas. Você pode ir esta tarde?

Anne concordou; porém, mais tarde, naquele mesmo dia, Mr. Douglas veio fazer o convite em nome de sua mãe, para que ambas fossem tomar o chá com ela no sábado à tarde.

— Oh, por que não usa o seu lindo vestido bordado? – perguntou Anne, quando saíram de casa. Era um dia quente e a pobre Janet, entre sua empolgação e seu pesado vestido preto de casimira, parecia que estava sendo assada viva.

— Receio que a velha Mrs. Douglas iria pensar que sou terrivelmente fútil e inadequada. Mas John gosta daquele vestido – agregou, pensativa.

A antiga propriedade dos Douglas ficava a meia milha de Wayside, no topo de uma colina açoitada pelos ventos. A casa em si era ampla e confortável, antiquada o bastante para ser cheia de dignidade e cercada por um bosque de bordos e pomares. Nos fundos estavam os celeiros, espaçosos e bem cuidados, e todo o conjunto indicava prosperidade. Anne refletiu que quaisquer que fossem as dificuldades que marcaram aquela paciente resignação no semblante de Mr. Douglas, não tinha sido nada relacionado a dívidas e credores.

Anne da Ilha | Série Anne de Green Gables III (1915)Onde histórias criam vida. Descubra agora