Capítulo III - Saudações e Despedidas

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Charlie Sloane, Gilbert Blythe e Anne Shirley partiram de Avonlea na manhã do dia seguinte. Era uma segunda-feira e Anne esperara por um dia bonito. Diana iria levá-la à estação e elas queriam que este último passeio juntas fosse agradável. Porém, quando Anne foi para a cama no domingo à noite, o vento leste estava gemendo ao redor de Green Gables como uma sinistra profecia, que foi cumprida pela manhã. Ela despertou para ver as gotas de chuva tamborilando contra sua janela e encobrindo a superfície cinzenta do riacho com largos círculos; as colinas e o mar estavam ocultos na neblina e o mundo todo parecia obscuro e melancólico. A jovem vestiu-se no triste amanhecer cinzento – pois era necessário partir bem cedo para alcançar o trem e, depois, o barco –, lutando contra as lágrimas que iriam surgir em seus olhos. Ela estava deixando o lar que lhe era tão querido e algo lhe dizia que estava partindo dali para sempre, salvo como refúgio de férias. As coisas nunca mais seriam iguais, pois voltar para as férias não era o mesmo que viver ali. E, oh, como tudo era querido e amado! O pequeno quartinho branco, consagrado pelos sonhos de infância, a velha Rainha da Neve em sua janela, o riacho no vale, a Bolha da Dríade, a Floresta Assombrada, a Travessa dos Amantes – todos os mil e um lugares tão estimados onde viviam as memórias dos antigos dias. Poderia ela ser verdadeiramente feliz em qualquer outro lugar?

O desjejum em Green Gables naquela manhã foi uma refeição deprimente. Provavelmente pela primeira vez em sua vida, Davy não conseguiu comer e abriu um berreiro sem o menor pudor diante do prato de mingau. Ninguém mais parecia ter muito apetite, exceto Dora, que terminou sua refeição com tranquilidade. A menina, como a imortal e prudente Charlotte, que "continuou cortando pão e manteiga" enquanto o corpo de seu frenético pretendente era levado em um ataúde, era uma daquelas criaturas afortunadas que raramente se perturbavam com alguma coisa. Mesmo aos oito anos de idade era preciso que ocorresse algo extraordinário para agitar sua placidez. Ela lamentava a partida de Anne, é claro, mas isso era razão para que deixasse de apreciar uma torrada com ovo poché? De maneira alguma! E, vendo que Davy não tocara a dele, Dora comeu-a no lugar do irmão.

Diana apareceu pontualmente com o cavalo e a charrete, e o rosto rosado iluminado sob a capa de chuva. Havia chegado o momento do adeus. Mrs. Lynde saiu de seu quarto para dar um forte abraço em Anne e adverti-la para que cuidasse de sua saúde, independentemente do que fosse fazer. Marilla, de forma brusca e sem lamentos, beijou rapidamente as bochechas de Anne e disse que esperava que ela lhe escrevesse assim que estivesse estabelecida. Um observador casual poderia concluir que a partida de Anne não significava muito para ela – a não ser que o dito observador desse uma boa olhada na expressão de seus olhos. Dora beijou Anne cerimoniosamente e derramou duas decorosas lagrimazinhas, mas Davy, que estivera chorando nos degraus da varanda dos fundos desde que se levantara da mesa do café, recusou-se a despedir-se dela. Quando viu Anne vindo em sua direção, levantou-se num salto, correu escada acima e escondeu-se num armário, de onde não quis sair. Seus uivos abafados foram os últimos sons que Anne ouviu ao partir de Green Gables.

Choveu torrencialmente durante todo o trajeto até Bright River, para onde as jovens deviam dirigir-se, visto que a linha secundária do trem de Carmody não se conectava com o barco. Charlie e Gilbert estavam na plataforma da estação quando elas chegaram, e o trem já estava apitando. Anne só teve tempo de pegar seu bilhete e o baú, despedir-se às pressas de Diana e subir no trem apressadamente. Desejava estar voltando com Diana para Avonlea, pois sabia que iria morrer de saudade de casa. E, oh, se ao menos aquela chuva funesta parasse de cair! Era como se o mundo inteiro estivesse lamentando o desaparecimento do verão e a partida da alegria! Até mesmo a presença de Gilbert falhou em trazer qualquer conforto, pois Charlie Sloane estava lá também e "Sloanações" só poderiam ser toleradas em tempo bom – tornavam-se absolutamente insuportáveis em tempo chuvoso.

Mas quando o barco deixou o porto de Charlottetown, as coisas mudaram para melhor. A chuva cessou e o sol amarelo-ouro começou a aparecer de vez em quando, por entre rasgos nas nuvens, fazendo as ondas cinzentas brilharem com um resplendor acobreado e iluminando com lampejos dourados a neblina que envolvia as praias de areias vermelhas da Ilha, pressagiando um bom dia, depois de tudo. Além disso, Charlie Sloane teve que retirar-se prontamente por sentir-se mareado, e Anne e Gilbert foram deixados a sós no convés.

Anne da Ilha | Série Anne de Green Gables III (1915)Onde histórias criam vida. Descubra agora