Prólogo - The End Of A New Age

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Fragmentos do Diário de Elise H. Bergerfalk

Quando nos lembramos daqueles que perdemos em alguns casos são memórias tristes, e em outros, memórias felizes. Quem nunca observou o orvalho caindo entre as folhas numa manhã fria e pensou "Ah, se ele estivesse aqui...", ou ao menos "Tal pessoa gostaria muito de ver"... Não somente com as gotas de orvalho, mas com qualquer coisa que venha a acontecer com você e em volta de você.

Acredito que ainda lembro-me bem daquele dia, de todos os dias na verdade, e das narrações que dos outros foram feitas. Os instrumentos da passagem, a alegria de uma criança ao contar que viu um palhaço, da declaração pública feita pelo chanceler da cidade com a rainha e também de mais um rosto na multidão. Um rosto marcante que por pura ironia, me acompanhou por toda a vida. Eu lembro ainda dos dias de frio, neve e chuva, da maresia de uma longa viagem e das mais belas paisagens. Lembro-me do calor de nossos corpos sob as estrelas e o luar, calor que usamos para tentar driblar a dor da perda, como lembro também do calor das chamas daquela noite, que consumiram tudo e se misturaram com a cor de seus cabelos e de seus olhos.

Se pudéssemos voltar atrás, aproveitaria tudo bem mais, sem deixar segredos sombrios atrapalharem. Sentiria seu corpo mais, acompanharia nas caminhadas matinais mais, festejaria sem preocupações. Naquele tempo de glória e paz, naquele pequeno mundinho só nosso.

Apenas isso.

Ultimamente, ando correndo muito. Fugindo da exaustão, da dor e da perseguição. Uma guerra se alastrou, tirando tudo de mim. O medo de ir dormir e receber uma notícia extremamente ruim pela manhã. O pavor de perder quem amo e deixar de lado toda a esperança que ainda me resta. Isso continua a me atormentar pouco a pouco e a destruir minha alma. Aquela menininha fraca da burguesia nunca mais existiu, mas ser forte às vezes também cansa.

Há quem diga que tudo há de mudar e que poderemos estar juntos novamente. E assim claro é o que eu espero. Não faz muito tempo isso, mas parecem décadas. Quando me lembro disso, me lembro de nossos sonhos doces e inocentes de infância.

Ainda queria ter esperanças de reescrever nossa história, e seguir pelo caminho que todos nós escolhemos, de fazer uma nova história de vida com os mesmos presentes que nós já temos.

Talvez esses pequenos fragmentos não seja o suficiente, cada diário, cada parte dos eventos são únicos e com certeza, somente essas palavras não bastam.

Tudo que posso fazer agora é desejá-lo ao meu lado novamente. Farei de tudo para isso acontecer.

***

Fragmentos das anotações de Campo de Ian D. H. Bergerfalk

Hoje é apenas mais um dia, de muitos que espero vir. A noite passou mais rápido do que esperávamos e logo pela manhã já tínhamos ordens de avançar pela costa Oeste. Os homens, assim como eu, estão preparados para morrer. Podemos morrer hoje, como também daqui a duas décadas. Nenhum de nós sabe.

Seguimos para fazer uma refeição, pois querendo ou não, essa poderia ser a última. Nenhum de nós está feliz, os rostos abatidos daqui não são tão diferentes quanto os que naquela época viviam ao meu redor, crendo que num futuro próximo tudo viria a melhorar. Hoje continuo sendo um deles, eu estou aqui mais perdido do que sempre estive.

Não paro de pensar em quem amo e quem me aceitou apesar de tudo que aconteceu, de todos aqueles que me ajudaram. A pobreza e a miséria, quando você está dentro de um campo de guerra, de nada significam. Este de longe, deve ser uma parte do que os religiosos chamam de inferno.

Ontem abatemos mais um avião. Matamos mais de quinhentos homens da Tríplice Aliança em menos de cinco minutos, muitos dos meus companheiros também foram mortos pela artilharia pesada. Quando os homens morriam pelas minhas mãos, sempre me vinha em mente "Ele poderia mais um chefe de família", "Mais um filho ou uma filha que crescerá sem o pai". Eu temia isso, nunca tive tanto medo quanto agora. Tudo que antigamente poderia me fazer invencível, agora era despedaçado com cada tiro que ecoava no horizonte. Afinal, eu não sou feito de pedra e muito menos eu sou um deus, ou sou um herói. O apelido que um dia tive e que percorreu por todo o reino incitando inimigos ou adoradores, de nada mais servia. Lá eu era só mais um número, era só mais um cão de caça ou uma vítima.

Toda vez que estou no meio da infantaria partindo para um ataque, eu corro pensando neles, pensando na família que deixei para trás, pensando em tudo que fiz até então e também pensando na redenção. Todas as vezes que preparo o morteiro para o ataque, flashes invadem minha mente, trazendo toda minha vida em segundos, independente se vou ou não partir daqui. Minhas memórias mais ocultas, minhas exaltações e minhas loucuras, meus esforços para proteger e ficar com quem era importante para mim. Tudo com a mesma vontade que tenho para recriar meu passado, alterar tudo que fiz de errado com boas ou más intenções. Reescrevê-lo da mesma maneira que posso neste caderno e deter a mim mesmo de ter tomado caminhos e decisões erradas.

Essa talvez deva ser apenas parte do que devo pagar pelos meus pecados, mas... O que adianta pagar pelos meus pecados, cometendo mais e mais deles? Se ao menos pudesse refazer minha história, a nossa história, tudo agora poderia ser diferente.

O que posso querer ainda é tê-la de volta ao me lado de novo. Vou me esforçar para isso acontecer, e de todas as minhas descobertas, tomar certa vantagem para mim.

***

- A vontade é impotente perante o que está para trás dela. Não poder destruir o tempo, nem a avidez transbordante do tempo, é a angústia mais solitária de toda a vontade.

Friedrich Nietzsche 

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