Estava estarrecido sentando nos papelões na viela. Talvez eu devesse ir até lá e dizer um "Oi", ou pelo menos, apenas olhá-lo e dizer que eu fui. Parte de mim dizia que talvez fosse melhor esquecer aquele dia e ficar onde estava, sentado e esperando o tempo passar até alguém vir e me aborrecer. No dia anterior, quando aquele homem veio o chamar, já havia sentido a exclusão que as classes sociais colocavam. Aquele olhar subjugador, e aquela voz ameaçadora, desdenho a todo instante.
- Temos que ir senhor, seu pai o aguarda na carruagem – Aquele tom de desdém, o olhar subjugador por parte dele para mim.
- Na apresentação nos veremos de novo! – Ele sorria.
Agora pensava seriamente. Naquela hora estava feliz pelo convite. Mal me toquei que aquele mordomo me encarava de forma estranha, e logo, cochichou algo ao pé do ouvido dele.
Vi o tempo passar, o sol já atingia o seu apogeu, iluminando a viela de forma ardida e febril, me despertando por completo pelo calor fora de época. Tirei a camisa e estiquei em cima de um caixote de madeira. Fiquei ali a toa, com o estômago roncando até o padeiro chegar com pães amanhecidos e um copo de leite. Um senhor muito caridoso que sempre me ajudou.
- Hoje é isso que vou ter. – Dizia ele enquanto colocava as coisas em cima do caixote – Vi seu pai lá hoje. Você passou a noite fora de novo?
Assenti com a cabeça tristemente. Ele balançou a cabeça como um pai preocupado. Balancei a cabeça com as imagens voltando para minha mente teimosamente.
- Sinto muito. Receio que em nada possa mudar uma conversa.
- Talvez. Com o tempo você acostuma.
- A mulher implorou de novo para que eu tentasse convencer você a ficar em casa. Mais vai adiantar? Conheço você desde que nasceu menino, pegou a teimosia de sua mãe.
- E me conhece bem – Ri, de um modo abafado – Agradeço a preocupação de Madame Madeline, mas diga à ela que estou bem.
Ele me olhou de cima abaixo quando comecei a comer com gosto. Olhei para ele envergonhado e virei o rosto, ele se sentou ao meu lado numa sombra mais fresca feita pelas árvores do outro lado dos muros. Muitas vezes ele conseguia ser mais meu pai do que o meu próprio, mas sei que de alguma maneira aquilo era só por causa do filho que perderam em um acidente trágico poucos anos antes de eu nascer e mesmo assim eu não me importava.
- Você acha que é possível ter amizades entre classes sociais hoje em dia? – Perguntei após devorar um pão de melão.
- Possível é, fácil não. Nem todos da burguesia são estúpidos e idiotas. Tem gente muito boa lá dentro, mas são ofuscados pelo resto. – Sempre que ele tocava neste assunto, seu semblante parecia mudar tragicamente.
- O quanto de gente assim tem? – Perguntei, erguendo o rosto e limpando a boca com a mão.
- Você acha um ou outro se der sorte.
Refleti com aquilo. Ele continuou ali me fazendo companhia durante mais alguns minutos silenciosos. Após ter terminado, ele pegou a louça e juntou no colo. Antes de partir, parou no meio do caminho, como se procurasse algo entre os tijolos das casas e comércios.
- O Circo está na cidade. Dizem que é um dos melhores, todas as crianças vão lá hoje. Estão todos entusiasmados.
- Talvez eu vá lá mais tarde.
- Tome cuidado garoto. As ruas são perigosas para crianças.
Ele saiu levando as coisas, eu continuava ali sem saber o que fazer. Pensei em voltar para casa para, ao menos, me lavar e colocar uma muda de roupa que estivesse limpa, então pensei novamente, era preferível ficar quieto ali a ir para casa e tombar com meu pai. Fazia um tempo que não voltava, e não seria agora, por um motivo quase fútil, que eu voltaria.
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Wildfire
Historical FictionAtenção: Este livro pode ter cenas consideradas impróprias ou fortes; tais como violência, sexo, abuso sexual, incesto, violência e mortes. Leiam com isto em mente. Deixarei avisado quando um capítulo conter uma ou mais desses temas. Obrigado! -- E...