Olhos frios

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     E lá eu estava: parado com o meu rifle mondragon nas costas, um lampião na mão esquerda e com a direita vazia em uma noite escura de lua minguante no meio das árvores que restavam do que já fora a floresta de Argonne. E logo a minha frente uma criatura bípede com braço e pernas finas e esqueléticos, olhos frios e vazios como de uma boneca, corpo desproporcionalmente largo em comparação aos seus membros e pele que parecia carne em decomposição, dentes que pareciam de um leão e com o dobro da minha altura se levantar com um pedaço de carne ensangüentada enquanto olhava pra mim.
       Eu olhei diretamente para os olhos da criatura, e ela, engolindo a carne, olhava para os meus. Eu não tinha medo, e encarava de forma fria, ela fazia o mesmo, eu olhei para baixo, e vi apenas um braço caído, então era isso que ela devorava: um dos meus companheiros, e ao julgar pela foto que o braço segurava ele era Jack, um amigo que não cheguei a conhecer direito, mas sempre notava que ele segurava toda hora aquela fotografia da família dele. Eu voltei novamente meu olhar a criatura, ela ainda me encarava, talvez tivesse notado que invejava meu companheiro morto, afinal, ele nunca mais iria presenciar o pesadelo que estar em uma trincheira imunda e cheia de morte só para depois correr por cem metros de amigos mortos e arames farpados com a esperança de conquistar uma trincheira menos pior do que a anterior. Seja como for, a criatura virou de costas, e saiu andando pela escuridão até desaparecer entre as árvores, e logo após isso, resolvi olhar o local da morte com mais atenção, observei pelos restos de sangue e carne que ele havia sido atacado não muito longe dali, arrastado até o ponto onde eu estava, e por fim morto. Mas a morte dele não me intrigava, nem a criatura que o matou, mas sim o porque eu ainda estar com os olhos frios esse tempo todo.

O mundo mortoOnde histórias criam vida. Descubra agora