A irmã da dona Cida

8 0 0
                                    

***************************************************************************************************

DEDICATÓRIA

Para todos que estão enfrentando esse momento horrível. Para todas as pessoas que me são queridas. Permaneçam a salvo, permaneçam bem. Agradeço a todos vocês por não desistirem e ao meu especialista da RJ urbana precocemente calvo a quem chamo de primo: Victor Mazzuca, pela ajuda e pelas risadas neste momento tão escuro.

*************************************************************************************************** 

A irmã da dona Cida trabalha de faxineira lá na casa da senhora Cecília. A dona Cecília acabou de voltar da Itália e mesmo sendo domingo, a irmã da dona Cida teve de ir trabalhar: é que a dona Cecília estava com uma febre estranha.

Naquela semana, começou a passar no jornal algo sobre um vírus novo que veio de fora do Brasil. É claro que a irmã da dona Cida não soube de nada, porque a televisão estava pifada há mais de mês. A própria Cida só ouviu falar mesmo foi de uma gripezinha que estava sendo comentada pelas clientes lá no salão.

- Ma qui gripe é essa qui vêi di fora, Cida? Gripe num é tudo a merma coisa - espirro, tosse, febre e caganeira?

- I eu qui sei? Mas as madame tava tudo comentanu lá no salão, dizenu até que os governadô tava disobedecenu o presidente e botanu o povo pra casa.

- I cumé qui trabalha?

- Num trabalha.

- Mais essa.

Isso foi o mais próximo que a irmã de Cida chegou de ser informada sobre o problema. 

A irmã da dona Cida mora lá no morro do Vidigal e a casa da senhora Cecília fica no Leblon. Quando a irmã da dona Cida começou a tossir, ninguém desconfiou de nada. Primeiro podia ser alergia dos produtos de limpeza. Depois podia ser a mudança do tempo, porque vinha o outono. Por fim, acharam que fosse um resfriado. 

A senhora Cecília também não prestou muita atenção. Quando a irmã da dona Cida começou a tossir, ela já estava melhor, sem febre e saindo para fazer compras no shopping. Inclusive, nessa mesma semana a senhora Cecília foi a uma carreata com a irmã empresária, Fernanda, contra o fechamento do comércio. Afinal, como Fernanda levaria as duas sobrinhas para passar as férias na Disney se seus funcionários não trabalhassem para sua empresa continuar lucrando? O engraçado é que a empregada doméstica de Fernanda também havia começado a tossir.

No domingo seguinte àquele de febre, a senhora Cecília pediu que a irmã da dona Cida fosse trabalhar na casa da Dona Fernanda, que havia ficado doente, e cuja empregada não pôde ir porque também não estava se sentindo bem. Talvez por coincidência, a irmã da dona Cida também estava com uma falta de ar estranha e um cansaço além do habitual, e também teve de negar o pedido.

Alguns dias depois, a senhora Fernanda foi levada para a UTI, onde ficou até se recuperar totalmente. A empregada dela também ficou bem, apesar de não ter ficado inteira após sua filha não ter tido a mesma sorte: sabe-se lá do que morreu. Mas a empresa da senhora Fernanda não faliu, pelo contrário: começou a trabalhar com o home office e acabou até economizando na conta de luz. O salão da Cida acabou fechando, porque não havia como pagar o aluguel. E a irmã da dona Cida não pôde mais voltar para a casa da senhora Cecília: não conseguiu uma vaga no hospital. Foi dali direto para uma caixa de papelão e pra debaixo de sete palmos de terra improvisados: também não teve direito a caixão.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: May 15, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Crônicas genuinamente brasileirasWhere stories live. Discover now