CAPÍTULO 1 ou Do que a gente fala quando fala sobre ser quem a gente quer ser

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O FATO É, QUANDO EU FIZ DEZESSETE ANOS chupei o namorado da minha irmã. Foram algumas caronas e então aconteceu. Isso não quer dizer que exista um número específico de caronas antes de você fazer o que acha que aprendeu lendo blogues com fundos escuros escritos por tipos que se identificam em salas de bate-papo com nicknames alfanuméricos suasivos (P1K4550) e então lamentam para outros desconhecidos sua falta de elasticidade e os centímetros precisos para fazer da autofelação uma realidade.

Como eu disse, aconteceu... E antes que você abandone a leitura, escolhi não usar as referências ao acrônimo de Time and Relative Dimension in Space para evitar um Deus ex Machina. Todo mundo sabe que uma TARDIS faria toda a diferença (mas ninguém vê Doctor Who de verdade hoje em dia e talvez leitores tenham entrado em extinção). E se tratando de caronas. Caronas não são passíveis de recusa. Na minha opinião se você estiver no ensino médio e percorre vinte minutos com obstáculos todos os dias até o ponto de ônibus mais próximo, você pode deixar essa história de culpa de lado, porque é extremamente pequeno acreditar que se pudesse voltar no tempo, consertaria eventos isolados. As possibilidades são ofuscantes e eu descobriria mais tarde que o erotismo, a morte e a violência estavam intimamente relacionadas.

Ainda assim, em minha defesa, vou pedir que considerem o seguinte: estudar longe de casa, com gente que não acompanhou seus dentes crescendo descontroladamente até quase não caberem na boca como se toda a região da sua cara quisesse ensinar uma lição sobre puberdade, não era assim tão fácil. Erro meu. Voilá! Eu poderia ter escrito aqui antes, a respeito da verdade por trás do ensino médio, que  comédias dramáticas não ensinam e que de algum modo consiste na procura por continuidade, sabe? Como se passar o tempo todo correndo, em cima da hora fosse o mais próximo de um limite que eu experimentaria.

Na ausência de experiências gastronômicas com olhos de cabra, como ter a certeza de que você reconhecia o limite? Se me permitem uma conjectura. No limite. Alguém lembra? Foi o primeiro reality show produzido por uma grande emissora nos moldes de programas de sobrevivência norte-americanos e numa das provas os participantes comeram olhos de cabra. Alguém? Não? O.k. Passei oito anos da minha vida à procura de um ponto de vista que soasse o mais transgressor possível (uma cortina de fumaça, um olho de cabra) uma experiência unicamente humana, e então: Eu e o namorado da minha irmã... E o banco do copiloto.

Não estou dizendo que me arrependo. Foi ele quem chamou assim. "Você não quer sentar aqui no banco do copiloto?" Vocês também sentariam se soubessem o que era possível fazer com aquilo, tipo, com o que eu vinha aprendendo na R.F.B de verdade. E sobre a tal da culpa, tsc tsc, acreditem...

Zero.

Nenhuma.

Nada.

Havia o desejo de experimentar, testar as possibilidades. As melhoras escolhas nunca são feitas de primeira. E não precisei de muito para entender que o tal abismo que separa as pessoas umas das outras, que a gente ouve por aí em fumódromos limitados por fita zebrada (aceitando cigarros por conveniência) ou lê, por acaso (no consultório da dentista) é, acima de tudo, o desejo de ver o outro. Não olhar. Ver. Ver mesmo. Vê-los  de verdade, do outro lado. Um tipo de quebra dos contornos.

É aquela coisa, somos sós por natureza. E quando você tem dezessete anos a ideia de solidão e isolamento representam os espaços de tempo supostos, mas nunca mostrados, os retornos, as quedas, as noites, as gaivotas no fundo dos pulmões depois do choro. Eles até chegam e ganham corpo — os medos —, corpos de abismo. Corpos restritos. Quando pensa nas pessoas que criaram você anulando cada promessa ou mesmo na iminência da velhice. O paradoxo da imortalidade torna-se um assunto um pouco antes da pequena morte. O que eu fiz não foi uma promessa (naquele carro), não foi uma finalidade sem fim e nunca envolveu os moldes ou forcejos sexuais de garotos de dezenove anos com carteiras de motorista provisórias.

QUEIME DEPOIS DE LEROnde histórias criam vida. Descubra agora