Capítulo 5

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A vizinhança inteira pode ouvir os gritos de dona Edith quando descobriu que o filho não estava na cama.

― Onde ele foi, Isadora?

A pobre governanta não sabia o que dizer. Iria entregar o menino? Iria ser cúmplice? No mínimo, se Danilo fosse encontrado ele voltaria para casa e contaria para a mãe que Isadora o ajudou. Isso era bem o perfil de Danilo. Muito bom para aqueles que o ajudam. Mas, muito mal para aqueles que o traem.

― Já disse a senhora que não faço ideia.

― Como não? O menino estava em casa quando saí. Você ficou aqui todo o tempo, não ficou?

― Claro que fiquei, dona Edith. Mas eu realmente não o vi saindo. Desculpe. Danilo já é um homem, deixe-o respirar um pouco.

Edith fitou a governanta. Lágrimas brotaram em seu rosto.

― Ah, Edith, não fique assim. Venha aqui...

A governanta a abraçou e levou-a até a sala no andar debaixo.

― Sente aqui. Vou buscar um chá.

― Não! Mande que alguém o traga. Sente-se aqui comigo.

Isadora sentou-se ao lado da amiga. As duas ficaram em silêncio por um longo tempo. Isadora sabia perfeitamente o que se passava na mente de Edith. Tinha o filho em suas asas, ontem!, e agora estava saindo sem avisar.

― Ele deixou um recado no computador. Viajou para fora do país, Isadora... ― Edith soltou um choro engasgado. Parecia uma criança cujo brinquedo havia sido tirado.

― Ah, Edith. Sabes melhor que ninguém como Danilo é. Sempre foi muito independente...

― Eu me sacrifiquei para dar uma vida boa à ele! ― nesse momento Edith olhou para Isadora que ria ― o que foi?

― Nada, Edith. Mas dizer que se sacrificou é demais, não acha?

As duas riram. Mas logo Edith fechou novamente o seu semblante. Estava destroçada. As coisas estavam fugindo do seu controle como nunca aconteceu antes. 

― Deixe o garoto viver um pouco. Tire a pressão de cima dele. Vais ver que mais dia menos dia ele descobre que não é nada sem você. Sempre é assim.

― Acho que você está certa ― disse enquanto levantava e pegava o chá que a empregada deixou sobre a mesinha de centro. Serviu em duas xícaras e entregou um para Isadora.

― Tome. Sei melhor do que ninguém que também está aflita com o sumiço do Danilo.

Isadora corou.

― Sim estou! Ele disse quando volta?

― Lá diz que em torno de um mês ele estará de volta.

― Espere esse mês. Caso ele não apareça, tome as providencias.

Edith afundou-se no sofá ― Tens razão. Mas o que direi para o pai dele?

― Digas que ele tirou férias de repente. E que ele não precisa se preocupar. Diga a verdade.

― O que seria de mim se você, Isadora?

Isadora riu.

― Há mais de oito anos que você me faz essa pergunta.

Isadora sempre fora amiga de Edith. Conheceram-se na faculdade. Edith já tinha o Danilo. Na época ele tinha quase nove anos. Edith tinha uma família emocionalmente distante. Os pais eram separados há muito tempo, morava com a mãe que recebia apenas uma mísera aposentadoria. Também tinha um irmão. Henrique. Mas não tinha mais contato com ele há anos. 

Quando mãe de Isadora morreu ela estava no segundo ano da faculdade. Fora um tempo difícil para Isadora. Mas Edith sempre estivera lá ao seu lado. Depois de alguns anos se formaram. Edith passou a frequentar bastante a casa de Isadora. E vice-versa. Foi assim que Isadora passou a amar tanto Danilo. Sempre cuidava do garoto quando Edith precisava. A amiga crescera na vida. Casou-se com um milionário. Pobre Isadora não teve a mesma sorte. Mas, a amiga a nunca a abandonou e sempre a ajudava. Contratou-a para ser a governanta da casa. Isadora não tinha ideia de que espécie de serviço isso se tratava. Mas topou. O salário era bom. Foi por isso que Isadora passou a morar com Edith. Naqueles oito anos, nunca decepcionou a patroa, ou melhor, a amiga. Esteve muito próxima em toda a criação de Danilo. Era sua segunda mãe. E tinha medo do que o dinheiro, a fortuna, iria fazer com Danilo. Uma coisa era certa: ele não seria tão lindo se fosse um garoto pobre. Mas, o dinheiro o tornou em uma pessoa fria, um tanto calculista. Edith não poderia ver, o filho sempre tomava uma outra personalidade na frente dos pais. Mas, só Isadora sabia quem Danilo realmente era. 

Naquela noite, no jantar, Edith comentou com o marido sobre o sumiço do filho. Contou a verdade como Isadora sugeriu. O marido por um momento absorveu preocupado enquanto Edith explicava como soube do sumiço do filho. Apenas um bilhete! Depois, assentiu.

― Acho que isso seja bom para Danilo.

Foram suas únicas palavras. Pediu licença e retirou-se da mesa deixando Edith sozinha. Na mesma hora a mulher pediu que chamassem Isadora.

― Poderia me fazer companhia no jantar?

Isadora, durante todos esses anos, percebeu como Edith agora tinha tudo o que queria, menos um marido presente. Isadora nunca foi capaz de dizer o porquê de um homem tão rico ter se interessado por Edith. Alguma coisa havia acontecido naquele encontro ou nos posteriores para que Edith conseguisse fisgar esse peixe. Nunca procurou comentar isso com a amiga. Medo de magoá-la. Era exatamente esse o sacrifício que Edith fazia pelo filho. Aguentava o marido durante oito anos. Ele já não comparecia mais com todas as obrigações conjugais. E vez ou outra, Edith descobria alguma amante ou caso sério em que o marido se firmava. 

Uma vez foi até a casa da garota. Uma moça jovem, 18 anos. Seu nome era Alexandra. Edith deu uma boa quantia a garota e pediu que ela saísse da cidade. Que nunca mais entrasse em contato com Herbert. Uma semana depois, Edith recebeu a cópia da passagem área da garota. Mais uma que Edith conseguiu tirar de seu caminho. 

O interessante é que para os outros, os Vasconcelos tinham a vida perfeita. A família perfeita. E era isso que Edith repetia mentalmente todos os dias de sua vida. Temos uma vida perfeita. A família perfeita. Os outros não precisam ficar sabendo dos casos de Herbert com outras mulheres.  

Esse era seu grande medo. Que o filho a abandonasse e ela ficasse sozinha. Ela e Isadora. Sua única e fiel companheira.

NOCENTE - Não é leve o perigo quando parece leveOnde histórias criam vida. Descubra agora