O Mundo e Nós

[8] Gesso, Mapas e Chaves

Se eu achei alguma vez que as coisas não tinham como piorar 'pra mim, o universo me provou que eu estava bem enganado. Claro que isso acontecia sempre, uma das mais recentes foi justamente ser adotado por uma velha de bochechas vermelhas que cria um gato gordo e um moleque estranho. Daí me veio Jeon Jungkook, só para completar. Ele que piorou absolutamente tudo. Por causa daquele porco, não tenho só que aguentar a Velha Olga no meu pé como também literalmente depender dela até pra vestir uma camiseta, já que mal consigo andar.

Os flashbacks dos dias anteriores se repetem toda vez que fico calado por um instante e me lembro que tenho a porcaria de um tornozelo engessado agora.

Aquela noite parece meio apagada 'pra mim, na verdade. Mas consigo me lembrar exatamente de quando caí como um otário no meio da pista. Eu ia tão bem, Seokjin tinha até me ensinado mais ou menos como andar de patins sem parecer uma cegonha desajeitada! Só que tenho esse péssimo hábito de me gabar bem demais e isso irrita muitas pessoas... Pessoas como Jeon Jungkook e seu complexo de superioridade para ser mais específico. O cretino fingiu se esbarrar comigo e então fui ao chão, me desequilibrando e torcendo feio meu pobre tornozelo. Depois disso foi um borrão, só lembro das coisas mais nitidamente quando cheguei em casa quase sendo carregado pela Velha.

Ela estava sendo tão exagerada esses tempos. Eu não conseguia respirar sem que ela me perguntasse se eu estava bem e isso mais que qualquer coisa me irritava como nunca.

— Eu estou bem, eu estou bem! — digo num acesso de raiva que mal percebi, empurrando as mãos dela. A mulher dá alguns passos para trás.

— Não faz mal pedir ajuda, Jimin... — murmura em tom magoado. Fico ainda mais irado.

— Não preciso de ajuda.

Ela abaixa a cabeça e solta um suspiro longo e eu tusso, limpando a minha garganta e desviando o olhar para a tevê. Alcanço com muito esforço o controle na mesinha onde meu pé está apoiado, esticando meu braço. Ela pretende me interromper num movimento automático assim que solto um som de frustração mas se contém quando a encaro fixamente. Se passam só alguns minutos até que eu estivesse com o controle na mão e quando volto a encostar no sofá, esboço um sorriso.

— Está vendo? Eu não preciso de você. Não preciso de ninguém. — Meus olhos passam pelo rosto dela.

A Velha balança a cabeça em negação. — Espero que não seja tarde quando notar que todo mundo precisa de todo mundo.

Levo minha atenção para a tevê que acabo de ligar. A velha se desloca até lá, ajeitando a fita no aparelho. Enquanto o filme que escolhi na locadora não começa, ponho no colo o balde de pipoca que ela fez para mim. Eu adoro demais pipoca e a Velha Olga fez assim que lhe contei. Pois é...

O chiado da fita sendo tocada é abafada logo pela campainha e eu solto um muxoxo insatisfatório assim que escuto o padrão de um toque seguido de mais dois. Era assim que Ellis se comunicava com os órfãos quando tinha que nos visitar ou nos buscar. Ele dizia que era para que a gente possa reconhecer ele de imediato e preparar uma estratégia para ir embora caso estivéssemos sendo maltratados ou ameaçados. Nunca aconteceu nada parecido comigo, mas ouvi dizer que um garoto no orfanato se salvou assim ano retrasado. Os pais adotivos dele o prendiam no porão e não esperavam a visita de Ellis aquele dia, então mentiram que o menino não estava em casa mas com o som conhecido da campainha ele pôde reconhecer que Ellis estava lá e começou a fazer barulho para chamar atenção. Na época foi assustador.

Realmente, ele se importa bastante com os órfãos. Mas não entendo como alguém como ele prefere trabalhar num orfanato do que em qualquer outro lugar. De qualquer jeito, fico agradecido por cuidar das minhas coisas de vez em quando. Até porque isso é sua obrigação, oras.