Clara

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- É inacreditável que uma menina de seis anos mande na própria mãe - meu pai reclamava 

- Só porque eu deixo a menina ir para a escola vestida da forma mais confortável para ela? - minha mãe rebateu 

- Não comprei aquela merda de saia do uniforme pra ela usar as calças antigas do irmão dela! - foi o que recebeu como resposta

- Para de ser ignorante, Marcelo. Isso é ridículo 

- Quando ela inventar que é sapatão eu não quero ouvir um pio seu, Catarina - entrou no quarto e bateu a porta 

- Vamos crianças ignorem seu pai, vou levar vocês

...

- Vocês sabem o que é sapatão? - perguntei para minhas amigas 

- Eca - foi o que Ana soltou imediatamente 

- Porque um sapato grande seria nojento? - Andreia perguntou 

- Não sei, mamãe fala que isso é errado 

       Se era errado, porque meu próprio pai disse que eu seria isso? 

... 

        O dia em que eu e Andreia brincávamos de casinha no quintal de onde eu morava e meu pai chegou no exato momento em que demos um selinho, aliás éramos um casal e ele derrubou seu litro de whisky no chão, após ouvir os estilhaços do vidro sob o solo, só lembro da sensação de sua mão pesada em meu rosto. 

         Depois desse dia, eu nunca mais brinquei com Andreia, nunca mais brinquei com ninguém, meus pais brigavam o tempo inteiro, comecei a usar a saia do uniforme... 

...

        Por causa do meu pai, minha infância foi bem reclusa, mamãe por sua vez sempre defendia eu e o Mateus, meu irmão, entretanto nunca saíamos livres de uma boa pisa do senhor patriarca. O tempo foi passando, a gente crescendo. Eu e o Mateus sempre estudamos nas mesmas escolas, pois ele como irmão mais velho tinha que ficar de olho em mim, mal sabe meus pais que a gente mal se via lá. 

        Mateus tinha uma forma diferente de lidar com as ações do meu pai, não sei é porquê por ser dois anos mais velhos que eu ele tem um nível de maturidade maior, mas na minha mais sincera opinião eu só acho ele imbecil mesmo. Quando ele estava com 15 anos, no primeiro ano do ensino médio o flagrei fumando maconha com seus amigos na parte detrás do colégio, discutimos e eu prometi que não falaria nada se o mesmo parasse com aquilo. 

- Clara, não é? - uma garota sentou-se na cadeira em frente a minha 

- Quem é você? - perguntei 

Ela riu e sinceramente eu acho que a risada dela era a mais bonita que eu já havia escutado na vida 

- Eu sou colega do seu irmão, Marina - ela se apresentou 

- Veio defender ele? - fechei a cara 

- Calma fofinha - ela pegou em minha mão e eu recuei assustada - Desculpa

- O que você quer? 

- Olha pega leve com teu irmão, eu sei que a situação de vocês em...

- Então o meu irmão também fala sobre as coisas que acontecem na nossa casa, que legal - debochei 

- Não é fácil para ele aguentar tudo sozinho, ok? Ele não é um robô 

- Pois eu sou, não sou fraca a ponto de ficar expondo as coisas ruins que acontecem comigo, porque ninguém se importa 

Fora do contextoOnde histórias criam vida. Descubra agora