Mariana

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- Senta que nem moça - reclamou minha mãe ao passar pela sala e me ver parecendo um saco de batatas 

- Estou em casa - justifiquei 

- Até parece que tu não fica do mesmo jeito onde tu anda menina, cria jeito - ela bateu em minha perna 

- Jeito de que? 

- De moça 

...

- É o seguinte, na divisão da brincadeira a minha boneca vai ser o namorado da sua - expliquei 

- Mariana, como que uma boneca vai namorar com a outra? - Amanda perguntou confusa 

- Eu falei NAMORADO, você não tem imaginação? 

...

- O Carlos é tão fofinho, não é? 

- Não vejo nada demais nele não - dei de ombros 

- Mari, ele é caidinho por você desde o sétimo ano do fundamental 

- Tadinho, esse tempo todo no chão? Alguém levante ele então por que eu não vou - debochei 

- Quando você pensa em tirar o bv? 

- Ah sei lá gente, qual a importância disso? 

- Deveria alisar o cabelo também - Cláudia alfinetou 

- Se você me considera nem que seja 10% sua amiga, Cláudia, guarde seus comentários para você, porquê se meu cabelo cacheado incomodasse a mim, que sou a dona dele, já teria alisado, mas como não é o caso então fique calada - saí bufando da sala 

- Não precisa levar as coisas tão a sério assim garota! 

       Ah mano qual o problema dessas meninas? Não vejo nada demais em estar no segundo ano e ser bv, muito menos em ter cabelo cacheado, minha mãe sempre disse que eu tenho que ter orgulho das minhas características e é algo que levarei para o resto da minha vida e sobre o bv, não é culpa minha que os meninos daqui parecem filhotes de ornitorrincos. 

        Em meio aos meus devaneios quando percebi já estava dentro do banheiro feminino procurando uma cabine vazia para me enfiar lá e permanecer até que meu ranço das meninas diminua, pelo menos. E foi na penúltima cabine onde eu empurrei a porta e me deparei com Kamilla Oliveira sentada no colo de outra garota que não reconheci, pois o corpo de Kamilla estava no meu campo de visão e também por que após dizer:

- Puta que pariu, me desculpa!

Eu sai correndo 

... 

        Como assim até aquele momento nunca teria passado pela minha cabeça que duas garotas poderiam se pegar? e porque depois que descobri que, sim elas podem, não paro de pensar nisso? Não que eu esteja interessada e me imaginando no contexto, longe de mim, mas é interessante e eu me sinto bem estranha por achar isso interessante.

...

      Então sim, meu primeiro beijo foi com uma menina, ela se chamava Débora, possuía cabelos pretos em um corte pixie. Seu beijo era lento e doce, me passava segurança e conforto, nós ficamos juntas por alguns meses até que ela teve que mudar de cidade para cursar o que desejava na faculdade. 

      E assim minha vida de lésbica, solteira e rainha do rebuceteio começou em Campos das Oliveiras, sim este é o nome da minha cidade natal, parece que foi minha avó quem a nomeou. Esqueci de citar uma característica minha agora à pouco, deixa só eu corrigir, lésbica, solteira, rainha do rebuceteio e có habitante do famigerado armário. 

       Sendo que faltando dois meses para a formatura do ensino médio, minha última característica foi destruída pela penúltima. Lá estava minha mãe na fila do supermercado, quando escuta o seguinte diálogo:

- Mas Carlos, óbvio que ela era sapatão nunca percebeu a diferença entre ela e as amigas? 

- Se eu tivesse percebido passaria anos apaixonado pela Mariana, Eduardo? 

- Oi Carlos, como vai a Flávia sua mãe? - minha mãe marcou presença no recinto 

Os dois garotos morreram neste momento

...

- Mariana, vem cá conversar com a mãe - ela chegou e foi logo à cozinha 

- Perai mãe - eu estava jogando lol 

- Anda logo menina antes que eu te arraste pelo cabelo!

Em um segundo eu estava de pé em sua frente, nunca a ouvi falar neste tom comigo, nem quando eu pintei o cachorro de rosa pink quando era criança. 

         Ela me contou sobre o que aconteceu e deduziu que os garotos estavam falando de mim pelo simples fato de Carlos sempre ser alvo de reclamação aqui em casa por sempre mandar cartinhas pelo correio, entre outras coisas que o garoto fazia. 

          Por minha vez, sai do armário e para minha surpresa fui muito bem recebida no mundo exterior, na verdade eu nem sei porquê tinha tanto medo de falar sobre esta parte da minha vida para a mulher que me deu a vida, pois ela sequer havia mostrado em algum momento motivos para me deixar acuada. 

        Eu morava apenas com minha mãe, então foi difícil quando eu passei em Psicologia na UFVR em Verde Rios obviamente, não sei qual o problema das pessoas que nomearam estas cidades, mas voltando ao assunto do parágrafo, foi horrível ter que deixar minha mãe sozinha e me mudar para Verde Rios, eu queria optar por um curso em Campo das Oliveiras, mas minha progenitora por sua vez me incentivou a ir em busca dos meus sonhos e com seu jeitinho carinhoso obrigou meu pai a ter a responsabilidade de arcar com meus custos na faculdade, já que desde que separaram ele decidiu se fazer de sonso e esquecer que colocou uma filha no mundo. 

       Então, esta sou eu tá Mariana Medeiros, com 18 anos no meu segundo período de Psicologia, na UFVR. Sou sagitáriana com ascendente em virgem, tá meninas? No momento solteira e sozinha também, pois cansei de sofrer. Minha vida se resume a estudar, militar e ficar em barzinhos com minhas amigas. 

     Espero que o resumo da minha vida nada interessante tenha servido como uma boa introdução para vocês, agora fiquem aí  que eu vou pegar uma cerveja. Tchau. 



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