Outubro de 1895, Londres
Em largos e rápidos passos Elisa Scarioth adentrava a porta central e enorme do salão, há tempos não pisava neste lugar. A sala, que antes possuía papéis de parede com coloração azul turquesa e amarela, agora havia adquirido um tom mais esverdeado, desbotado e empoeirado. Observou as escadas, havia uma de cada lado e ambas levavam ao segundo andar da mansão, com corrimões prateados que acompanhavam toda a sua longa extensão. As cortinas carmesins também eram as mesmas, mas ao menos estavam limpas e apesar da aparência envelhecida, podia-se notar que eram bem cuidadas.
Elisa subia as escadas que ficavam a esquerda do salão com certa dificuldade, levantava ligeiramente o vestido com uma das mãos e com a outra apoiava-se no corrimão. A cada degrau, praguejava mentalmente.
– Senhorita Scarioth, espere um momento, deixe-me ajudá-la! – pronunciou a moça que até então tentava trancar a porta de entrada – Vicent, deixe as malas naquele canto e feche isto. – o homem assentiu, e assim a servente dirigiu-se rapidamente para ajudar Elisa.
Ao chegar no segundo andar, não pôde deixar de fitar o local que antes ficava um grande quadro. Sentiu o ar sumindo e suas órbitas se umedecerem, engoliu em seco e balançou a cabeça tentando afastar os pensamentos, não podia deixar aqueles sentimentos retornarem então apenas prosseguiu em direção à primeira porta que estava a sua esquerda.
Adentrou o quarto e encontrou o senhor de aproximadamente 60 anos deitado sob as cobertas e na cadeira ao lado da cama a mulher de cabelos claros presos em um coque e olhos acinzentados o observava.
– Tio, o que aconteceu? Retornei imediatamente após receber uma carta da tia Louise! – questionou Elisa ao ver a saúde abalada do homem.
– Elisa! Não é nada demais, eu avisei para ela que não havia necessidade, é só um resfriado!
– Foi chamado algum médico?
– Sim, recebemos sua visita quase todos os dias, o Dr. Kennedy é excelente! – comentou o homem – Venha, dê um abraço em seu velho tio! Senti muito a sua falta!
Elisa o abraçou e eles conversaram brevemente, logo em seguida a jovem dirigiu-se até seu quarto para arrumar suas coisas. A cada peça que tirava de sua mala, mais lembranças lhe vinham à mente, deixou algumas lágrimas escorrerem, pensou em partir novamente, mas sabia que não podia, tinha que enfrentar aquilo, felizmente o tempo em que passou fora a ajudara a amadurecer.
Olhou para o relógio em seus aposentos e apressou-se para não se atrasar, era próximo das 19h, sua última refeição fora algumas horas antes e não queria perder o jantar.
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Virando-se em sua cama, Elisa remoía memórias que neste momento insistiam em vir à tona. A respiração tornara-se pesada e difícil, o quarto parecia se fechar ao seu redor e a escuridão invadia todo o seu ser, sentia-se impotente e frágil, prestes a se quebrar.
Quando os primeiros raios da alvorada começaram a iluminar o quarto, decidiu então levantar-se na esperança de dissipar a angústia. Percorreu o caminho até a cozinha e enquanto a água fervia, escolheu as ervas para seu chá.
– Noite difícil? – perguntou a servente ao se aproximar.
– Eleonor! Que saudades! – exclamou Elisa abraçando a doce senhora.
– Ah, minha menina! Não consegui vê-la ontem, sua tia havia me ordenado que fosse à cidade em busca dos remédios de seu tio, quando cheguei estava tarde e achei melhor não a incomodar – respondeu retribuindo o abraço da garota com muito carinho.
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Dois Corações
RomanceA última década do século XIX acaba sendo um tanto conturbada para a jovem Elisa, que ao retornar à Londres após 6 anos, se vê apaixonada por não apenas uma, mas duas pessoas completamente diferentes, uma mulher e um homem escocês com um passado atr...