Capítulo 9

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Ao adentrar a porta dos fundos da Casa Campbell, Alessia desmoronou-se em lágrimas, por mais que tentasse controlar, era impossível, ainda mais quando lembrou-se que não havia ninguém na residência, pois os tios iriam junto aos primos a um jantar com outra família rica da qual não se lembrava o nome. Ao menos tinha a certeza de que ninguém ali iria vê-la naquele momento, e com um suspiro, deixou que tudo que a consumia saísse junto às gotas salgadas que escorriam de seus olhos azuis como o mar.

A raiva, a vergonha, a culpa e o asco que sentia pareciam sufocá-la, e toda vez que fechava os olhos sua mente parecia torturá-la, fazendo com que a sensação do hálito quente em seu pescoço, e as mãos ásperas do homem que percorreram pelo seu corpo viessem à tona. O sentimento de impotência era terrível. Por mais que tivesse a consciência de que não era sua culpa, e soubesse que somente ela possuía direito sobre seu próprio corpo, não era isso que sentia. O que sentia naquele momento, era a dor e a angústia da violação que sofrera. Não poderia ter nenhuma escolha em sua própria vida, e tinha sempre que lidar com as consequências, seja das opiniões, ou dos atos dos outros.

Retirou suas vestes e correu para o toilet, em completo desespero, não conseguiria esperar mais nem um segundo, então banhou-se em água gelada mesmo, esfregava compulsivamente todas as partes de seu corpo em que o homem havia tocado, queria apagar aquela sensação de sua mente e de seu corpo. Parou quando viu o sangue da pele ferida de tanto esfregar. Em um impulso, afundou-se na banheira, gritou debaixo da água, e ficou lá até que o ar faltasse em seus pulmões.

Depois do banho, secou-se e parou frente ao enorme espelho que havia em seu quarto, o ambiente estava escuro, iluminado apenas por uma única vela, observou as marcas que foram deixadas em seu corpo trêmulo. Se aproximando de seu próprio reflexo, sentia a lucidez esvaindo-se, e em instantes, teve a sensação como se milhares de mãos a tocassem por todo o corpo. A mão grosseira que sentira mais cedo subindo por entre seus seios até chegar ao delicado pescoço, sua visão estava turva e a respiração cada vez mais pesada, foi quando em um ímpeto seus punhos cerrados foram de encontro ao espelho que imediatamente partiu-se.

Seu corpo, agora no chão, ajoelhado em frente aos pequenos segmentos de vidro que refletiam seus olhos, já avermelhados como o sangue que escorria de sua mão. Pegou um dos maiores e mais pontiagudos cacos que estavam ao seu redor, com as duas mãos posicionando-o no centro de seu peito, quando um grito estridente escapou por entre seus lábios. E logo após, o barulho do vidro caindo ao piso. Deitou-se com os braços ao redor das pernas, sentindo o frio do chão, do rosto e cabelos molhados.

O barulho de passos na escada despertou a jovem, que levantou apressada, trancou a porta, e enrolou um pano limpo na mão cortada com a força que fizera para segurar o afiado caco. Envolveu seu corpo com as cobertas e chorou mais um pouco, silenciosamente, até adormecer, mas acordou algumas vezes com pesadelos, revivendo aquilo repetidas vezes.

A noite fora horrível, e o dia seguinte parecia passar lentamente, em meio às crises de choro durante a tarde, procurava algo para comer, mas sempre desistia, seu estômago revirava-se toda vez pois se lembrava do ocorrido e tinha vontade de vomitar. Alessia não tinha a menor vontade de levantar-se da cama e não se alimentou, nem naquele, e nem nos próximos dias que se passaram. Sabia que em algum momento teria que sair daquela casa, e isso a assustava.

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