A Bailarina de Degas

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A casa era grande e tinha um jardim. Para lá do jardim ficava o bosque de árvores imensas que se estendiam até não poderem ser mais vistas, por entre caminhos traçados sob as folhas do Outono. 

Telma adorava passear-se pelo bosque. Corria pelos caminhos,inventava outros atalhos e tentava passos de dança, braços ondulando ao sabor de melodias imaginadas. 

Ser bailarina era um sonho só seu. Desde que descobrira, na biblioteca, um livro com reproduções de quadros célebres, e, nas suas páginas, umas pinturas de bailarinas, a ideia que até então lhe passará vagamente em seus pensamentos tornou-se numa vontade constante,doentia. 

Por isso se dividia Telma entre os passeios pelo bosque e as visitasà biblioteca. 

As grandes prateleiras repletas de livros tinham-na assustado, noinício. 

Alguns deles eram antigos e cheiravam a pó. Outros eram maisnovos e as suas capas despertavam a curiosidade da menina, que, pornão saber ainda ler bem, se entretinha a olhar as figuras e a tentardescobrir o que estava lá dentro. 

Foi numa tarde chuvosa de Novembro que Telma descobriu o livrodas bailarinas. Na grande capa colorida, um nome que ela soletrou: 

D-e-g-a-s. 

Telma soube, anos mais tarde, que tinha sido um grande pintorfrancês, do séc. XIX e que o seu nome se pronunciava como se a letra etivesse um acento circunflexo. Na altura, não queria a menina saberdaquele nome, que nada lhe dizia. Só queria ver as figuras e maisfiguras e a todas despia com os olhos ávidos de cor, de movimento e desinfonias cada vez mais triunfais.

Esperava a hora da sesta. Fingia que dormia. E em passos dealgodão escondia-se na biblioteca, entre a porta envidraçada que davapara o bosque e o grande reposteiro de veludo carmesim.

De todos os quadros, o que mais a fascinava era um que tinha o título de Bailarina com ramo de flores. 

Telma entrava então naquele cenário e juntava-se ao corpo debaile. Vestia o fato em tons de amarelo esbatido, saia de tule querendovoar, sapatinhos de ponta cor de rosa e um ramo de flores na mão, oaroma do campo no ar quieto daquela sala. 

E Telma bailava, bailava, esvoaçava pelo meio das outrasbailarinas, tentando imitar os passos que elas davam, erguendo-se naponta dos pés até mais não poder, até a dor ser mais forte que avontade. 

No fim do espetáculo, agradecia ao público que só ela via e que sóa ela aplaudia. 

Depois, quando se apanhava de novo no bosque, erguia-se quantopodia nas pontas dos seus sapatos de cetim e largava o sonho queescondia no peito. E imaginava-se pintura em movimento num quadrode Degas. 

Ainda hoje ninguém entende, naquela casa, por que razão fugiaTelma tanto para o bosque. 

Também ninguém nunca entendeu o que fazia, no quarto deTelma, um grande ramo de flores campestres, eternamente frescas,pousado sobre a sua mesa de cabeceira. 

Nem um par de sapatos de bailarina que pendia, em laços de cetimesbatidos pelo tempo, da cabeceira de sua cama.

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