Capítulo dois.

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Ser uma semideusa não era fácil, e Cassiopeia sabia disso.
Mas ter uma mãe te cobrando até por cartas ou por M.I era pior. A garota não tinha mais um minuto de sossego. Tentava incansavelmente fugir das cobranças, até que um dia, sua mãe desistiu. Mas seu subconsciente ainda a cobrava.
Quiron estava preocupado, pois mesmo em um erro mínimo em algum detalhe de sua roupa, a garota acabava entrando em crise. Quem não a conhecia, iria pensar que era apenas uma garota mimada, mas não, ela se tornou essa garota, por culpa de sua mãe.
E nesse dia, Cassiopeia havia se trancado no chalé após errar uma pronúncia do grego. Ela estava com medo de aparecer alguém, a trancar no quarto e a deixar sem comer.
”Você é Cassiopeia Russell, você estragou minha vida, o mínimo que você pode fazer é ser boa em algo!”
Era o que sua mãe, Lauren Russell, dizia. E bem, ela começou a acreditar nessas palavras. Vivendo em função do que os outros, ou melhor dizendo, sua mãe, iria achar.
Acho melhor explicar o contexto disso tudo, certo?
Lauren Russell era umas das filhas de Afrodite mais... patricinhas do acampamento? Filha de um CEO de multinacional, a mulher havia nascido em berço de ouro e sempre teve tudo o queria em suas mãos. Quando a mesma usou seu charme para fazer Dionísio ceder a seus encantos, estava com a ideia de que ele iria deixar Ariadne — sua esposa — para ficar com ela, já que eles iriam ter um filhos juntos. Então, Lauren sempre tratou sua filha como um robô para ser a garota perfeita. A colocou em artes marciais, ginástica e pagou professores particulares para que ela soubesse a mais variada gama de idiomas. E desde sempre cobrou notas altas, mas em um nível normal, e isso seguiu até os dez anos de Cassiopeia. Onde Lauren levou a garota ao acampamento e tentou fazer Dionísio largar a esposa por ela; não deu certo, e quem sofreu com uma mulher que não soube levar um não? A criança.
Desde então, a cobrança foi aumentando até chegar aos 16, onde após duas guerras, Cassiopeia decidiu morar no acampamento meio sangue. E mesmo assim por dois meses, as cobranças ainda vieram por formas de cartas ou MI.
E até hoje, Cassiopeia se cobra demais.
— Ei! Cassy. — John chamou a garota que andava calmamente pela praia.
— Oi. — Ela desviou o olhar. Estava chorando novamente. Não queria que seu amigo percebesse. Embora, pudessem notar isso há metros de distância. Os cabelos, normalmente alinhados e soltos, estavam presos em um rabo de cavalo frouxo, o nariz e as bochechas mais vermelhas que o usual, a voz rouca e até a roupa amassada ou seu all star desamarrado indicava isso. John detestava ver Cassiopeia assim, perdida de quem ela realmente era. Todos no acampamento detestavam ver ela assim, com exceção de Lester, que achava que isso era normal até a noite que ficaram bêbados juntos.
— Você estava chorando novamente? — Ela deu um tapa no ar.
— Não, você sabe que eu não choro. — Ela forçou um sorriso e o filho de Deméter negou. — Eu tô bem, só preciso de um tempo sozinha.
— Você está se isolando de todo mundo faz três semanas. — Ela se limitou a baixar o olhar e dar de ombros.
— Algumas pessoas se sentem melhor quando estão sozinhas.
— Mas quando elas estão bem, e você não está bem. — A garota apenas fechou a expressão.
— E daí? Você tem sua vida, cuide dela. — A garota respondeu ácida, fazendo John soltar uma exclamação frustada e sair da praia. Após alguns minutos, a garota se virou de frente para o mar. — É... Talvez assim seja melhor, se eu não tiver laços, não irei me apaixonar, e se eu não me apaixonar, não precisarei me preocupar se a pessoa será minha salvação ou perdição. — Ela se sentou na areia, tirando o tênis e a meias.
— Falando sozinha? — Ela ouviu a voz de Lester.
— Quem sabe? — A garota abraçou seus joelhos. — Aparentemente é a única companhia que ainda não descobri como mandar embora. — Ela soltou uma risada falsa e o rapaz se sentou a seu lado.
— Por quê? — Ele a encarou. — Por que você manda os outros embora?
— É irônico um legado da deusa do amor não querer ter relações amorosas com alguém?
— E por que você não iria querer ter?
— Veja bem, eu não sou uma boa pessoa e não acredito que alguém iria querer ter algo comigo. — Ele iria falar algo quando ela sinalizou que não. — Mais cedo ou mais tarde eu mandaria a pessoa embora e seria tipo uma doença para ela. Eu deixaria vestígios de minha presença, e não seriam bons vestígios. — Eles começaram a observar o pôr do sol e ela soltou uma risada.
— Você tem medo de se apaixonar? — Ela arregalou os olhos.
— Por que isso te interessa?
— Ei, é só uma pergunta.
— Ah... Foi mal... — Cassiopeia não viu o rapaz a seu lado sorrir ladino com sua tentativa de pedir desculpas.
— Se não quiser...
— Não sei. — Ela olhou para Lester enquanto respondia, o sol fazia sua pele brilhar. A mesma se questionou se era oleosidade da pele ou iluminador. — É complicado sabe? Sempre achei que algo assim fosse mais fácil, como nos livros.
— Mas a vida real é bem diferente. — Ela assentiu.
— Minha ex, bem... Ela era possessiva. — Sua voz vacilou. — Controlava minha vida... A parte normal, por assim dizer. Afinal, ela não sabia sobre deuses. E bem, eu tinha que vir para o acampamento no verão, certo?
— Acho que sim.
— Foi uma pergunta retórica, Lester. — Ele murmurou um "ah". — Ela não queria que eu viesse para cá, pois de acordo com ela, eu a traía, já que por eu ser "indecisa que não sabe se é hétero ou homo" eu tinha mais chances de trair ela. — A garota fez aspas quando usou os termos da ex para se referir a si mesma. — E bem, ela me traía quando eu vinha para cá e quando tentei terminar? Chantagem emocional, e ameaças contra a vida de ambas.
— E você não quer entrar em outro relacionamento por conta disso? — Ela negou após ouvir a pergunta dele.
— Foi sobre o aviso de Rachel.
— Aviso? — Ele murmurou, visivelmente confuso.
— É, aquele sobre quando eu amar essa pessoa poderá ser minha perdição ou salvação e bla bla bla. — Ela notou a expressão confusa. — Você não sabia disso?
— Não. — Cassiopeia piscou os olhos incrédula ao perceber que isso não era uma falha de memória dele.
— Então, que tal se a gente fingir que nada disso aconteceu? É, uma ótima idéia. — Ela se levantou em um pulo após sugerir, começando a andar rapidamente sem direção. Apenas procurando uma maneira de fugir.
— Não, não! Você não pode fugir, Russell. — Ele começou a seguir a garota, levando vantagem por estar com os pés calçados e poder correr sem se preocupar em pisar em alguma possível pedra que estivesse perdida pela areia. — Cassiopeia!
— Eu não deveria ter falado nada, deveria ter ficado quieta. Mas isso é normal, você só comete erros, né? — Ela soltou uma risada nervosa e sentiu Lester segurar seu antebraço, fazendo ela parar, não muito longe de estavam.
— Ei, calma. — Ele segurou os ombros da garota. — Respira e se aquieta. É normal você contar as coisas para os outros. — Ela desviou o olhar. — Principalmente se esses outros quiserem te ajudar, mas não tem como a gente fazer isso se você não aceitar nossa ajuda.
— Por que você se importa? — Ela encarou ele. — Sério? Você provavelmente vai voltar a ser um deus logo, não tem porque ficar se importando comigo.
— Porque eu criei um certo afeto por vocês, todos vocês. E não quero perder mais alguém. — Ele abaixou o olhar. — Talvez se eu tivesse feito algo diferente, Jason estivesse vivo, é por isso que eu me importo. Eu posso não me lembrar de tudo, mas já perdi pessoas importantes demais nessa vida, e querendo ou não, você, Meg e os outros se tornaram importantes, e eu não quero perder mais alguém.
— Desculpe... Eu não... — Ambos estavam alterados com a conversa. — Não é que eu não queira aceitar a ajuda de vocês, mas é difícil. — Ela abaixou a cabeça, segurando o choro. — Eu sinto que deveria resolver sozinha, como sempre fiz. — “Afinal, se você vier pedir ajuda, Cassiopeia, significa que você é uma perdedora, e eu não quero uma filha perdedora.” — E eu também não pensei em como vocês se sentiam. Desculpa.
— É engraçado a maneira como vocês conseguem pedir desculpas rapidamente. Lá no Olimpo, chegamos a demorar séculos para isso.
— É que eu acho que humanos não têm séculos de vida para isso. — Ela diz semicerrando os olhos e ele sorri. — O que?
— Você tem um ponto muito bom. — Ele coloca as mãos ao lado do corpo. — Bem, tem algo que eu possa lhe ajudar?
— Meu tênis. — A garota olhou para o mar e ele fez uma expressão confusa.
— O quê?
— O mar tá levando meu tênis. — Ela apontou e ele olhou. — Como eu fui fazer isso? Eu não deveria ter...
— Ei, não se cobre tanto, é só um tênis e veja pelo lado positivo. — Ela arqueou uma sobrancelha com a fala dele. — Você não vai precisar lavar ele. — A garota fechou os olhos segurando a risada.
— Por que a Cass está descalça? — Aria disse aparecendo.
— O mar levou meus tênis. — Ela sorriu.
— Você não vai surtar?
— Bem... Acho que não, afinal... É só um tênis. — Aria arregalou os olhos com a declaração de Cassiopeia. — Claro que minha mãe provavelmente faria um sermão de três horas sobre eu ter perdido o tênis. — Aria desviou o olhar já sabendo o que viria. — Mas acho que tá na hora de eu aceitar a ajuda de vocês, e me reencontrar. — A ninfa da terra pulou na amiga a abraçando e sorrindo. — Desculpe ter tentando afastar vocês.
— É claro que a gente vai te ajudar. — Assim que o abraço foi desfeito, Aria saiu correndo de maneira eufórica.
— Ótima ajuda. — Cassiopeia se virou para Lester assim que terminou a frase. — Obrigada, raio de sol.
— Eu sou o sol, minha querida. — Ela riu negando.
— Atualmente, você é apenas um raio de sol, Lester. — A garota saiu correndo em direção a seu chalé, afinal. Hoje era caça a bandeira e ela não poderia participar descalça.
Talvez Cassiopeia se (re)encontrasse depois tanto tempo, e aprendesse a importância de seus amigos nessa jornada. Afinal, cada um ali tinha sua própria missão, uma missão que não foi dada por nenhuma profecia, mas sim por seu interior.

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⏰ Última atualização: May 27, 2020 ⏰

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