Prólogo: Marcas

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Eu vestia o uniforme da escola, observando os detalhes da roupa. Havia um pequeno furo em meu casaco azul, não dava para notar, mas me incomodava. Minhas meias não se ajustavam perfeitamente no calcanhar, mas ninguém poderia vê-las escondidas dentro dos sapatos. A camisa branca não era tão branca, nada era realmente branco.

Penteei meu cabelo deixando-o correr pelo ombro, ondulava num tom de mel escuro, muito escuro. Cobria metade do rosto com a franja, gostava de me esconder, assim ninguém poderia me julgar por estar triste, ninguém saberia.

Observei meu reflexo no espelho me certificando de que ainda estava lá. Os olhos quase negros ainda estavam molhados, e a pele clara não me deixava mentir sobre meu estado - estava pálida, me faltava luz, me faltava vida. Um pouco de maquiagem poderia resolver, mas eu não me importava mais. Então abri a porta e deixei a casa, saindo do prédio sem olhar para trás.

Vamos, Renata. Sorria.

Chegava na escola tentando me livrar dos pensamentos melancólicos, precisava me concentrar na matéria do teste que teria naquela manhã.

Era engraçado o caminho de minha casa para a escola, minha rua costumava estar deserta na hora em que eu saía, escura, quase como em um pesadelo solitário daqueles causados por bons filmes de suspense, com a única diferença de que a minha vida era real. Mas ao chegar na rua da escola começava-se a ver vida, pessoas andavam pela rua, o sol dava seus primeiros brilhos, a melodia silenciosa da noite deixava de cantar para dar espaço ao teatro encenado pelo dia. E eu conseguia acompanhar este degradê enquanto ouvia música no ônibus que me levava para a aula.

Eu gostava de observar a mudança, me dava esperanças de que, assim como o cenário se iluminava ao longo do dia, minha vida se iluminaria ao longo do tempo.

- Dizem que se você parar de olhar para as sombras, encontrará um mundo muito maior para explorar, Rê. - Manuela se aproximava de mim enquanto eu adentrava o hall da escola. Ela estava segurando algumas folhas sobre a matéria do teste, e parecia estar animada com alguma coisa.

- E quem "dizem" isso? Platão? - Eu respondia em tom de deboche, brincando com a menina que me abraçava. E como eu queria aquele abraço. Manuela sabia que era a melhor coisa que podia fazer por mim àquela hora da manhã, me dar um pouco de conforto.

- Então você sabe a matéria. Pode me ajudar a explicar pra esses caras? - Manu olhava para trás apontando para alguns amigos. - Sabe, você é a melhor da turma em filosofia. Dá uma moral pra eles.

- Segunda melhor. Você ainda está na minha frente.

- Por meio ponto! Não conta... E você nem precisou se esforçar...

- Ei! Eu me esforcei, ok?

- Não foi isso que eu quis dizer... - Manu tentava disfarçar o pequeno comentário, botava as folhas na frente do rosto por impulso, sempre tentava se esconder ao cometer um erro. - Você tem talento pra isso, é melhor do que os outros. - Sempre tentava se corrigir sem ser notada.

Eu olhava para os colegas de turma, tão confusos com a matéria que recorriam a mim.

- Tá, eu ajudo eles. Mas você sabe que eu odeio atenção.

- Não se incomode com isso, Rê. Eles são seus amigos, não monstros.

- "Meus" amigos... - Era estranho pensar em amigos. Eu não tinha amigos de verdade, a única pessoa que me conhecia bem era Manuela. Os outros que faziam parte do meu cotidiano não passavam de colegas - sabiam pouco sobre mim, se importavam pouco comigo, fariam pouca diferença se deixassem de existir. Aqueles não eram meus amigos, eram os amigos dela.

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