[3. 𝙽𝙸𝚁𝚅𝙰𝙽𝙰]

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Passei por quatro corredores e subi um lance de escadas para chegar até meu lugar favorito do colégio inteiro: a biblioteca.

Entrei pela porta de vidro de correr e a primeira coisa que eu vi foi o homem mais gato que eu já vi em toda a minha vida (perdão Jeremy). O nome dele é Jamie, Jamie Bower, ele trabalha há uns dois anos na biblioteca como organizador de prateleiras e minha paixão súbita com ele começou por esse tempo também. Ele estava arrumando a segunda secção de prateleiras de romances, seus cabelos meio arruivados estavam presos em um rabo de cavalo meio bagunçado, seus óculos combinavam muito bem com seu formato de rosto, seu maxilar estava levemente marcado pela posição da cabeça que olhava para os livros e colocava-os na estante. Além disso, suas mãos com veias aparentes estava adornadas com anéis e suas unhas pintadas de preto, estava vestindo uma camiseta do NIRVANA com um sobretudo preto tendo em seu peito esquerdo o broche de identificação da biblioteca, uma calça jeans e um Converse All Star verde musgo surrado com um rasgo na lateral esquerda, que já virou marca registrada dele por estar sempre  usando.

Fui em busca de um livro que estava há anos procurando e nunca tinha para retirar. O livro era o chamado "1984", um romance de George Orwell e, enfim decidi procurar na parte que não estava sendo arrumada, mas a placa identificando a ordem alfabética me deixou constrangida: "A até D".  Fiquei desnorteada ao pensar que teria de incomodar Jamie, mas também um pouco feliz por finalmente ter alguma coisa para conversar com ele, mesmo que seja apenas para perguntar sobre algo que envolva seu trabalho. 

Caminhei até ele na intuição de lhe perguntar sobre minha busca e o nervosismo deu as caras

—Ei, ...Jamie!—O chamo, lendo em seu crachá, fingindo que não o conhecia. Afinal, nunca tive a coragem para chamá-lo e só o observava de longe. 

—Bom dia...?—Disse ele, em um tom com receio, virando para minha pessoa e me olhando com aqueles olhos verdes. Que olhos meu deus! Aquele verde tinha um tom de esmeralda escurecido, que estava mais para um verde musgo, esse olhar penetrou na minha alma e sugou todas as minhas forças. Não vou me esquecer desse momento nunca mais, afinal não é todo dia que vejo esse homem na minha frente.

—Luna.—Digo me apresentando.—Estava procurando um livro mas o nome do autor era para estar nessa secção. Vi que tu tá organizando alguns, pode me dizer se tu lembra de ter colocado o livro 1984 de Orwell na estante? estou há tempos a procura dele.—Me viro para a estante, seguindo com meu dedo pelas lombadas dos livros arrumados, vendo vários autores com nomes conhecidos, mas nenhum George.

—Ainda não, mas se eu encontrar eu te aviso.—Afirmou, colocando uma mecha atrevida que caía em seu rosto e o atrapalhava.— Recebi ontem essa pilha e havia uma lista com os nomes dos livros que aqui se encontram, lembro de ter passado os olhos por 1984.

Concordei e fui ler as sinopses dos livros expostos para passar meu tempo. Ironicamente (ou não) após três livros serem colocados na prateleira, Jamie me chamou e me mostrou o livro.

—Vê se cuida bem dele, recebemos uma edição nova dessa vez.—Falou, esticando o braço esquerdo e me entregando o livro.

 Ao pegar o objeto, nossas mãos se encostaram levemente, me deixando estática, uma vez que sua mão era um pouco gélida, causando um leve choque. Agradeci meio sem jeito e segui meu caminho rumo à área de lazer onde possuía uns pufes laranjas e amarelos, destoando muito da decoração clássica da biblioteca. Me sentei em um desses que eram laranja e comecei a ler o livro. Acredito que fiquei muito tempo lendo, já que tive uma sensação de emergir para a vida real quando percebi que Jamie estava tentando conseguir minha atenção: ele fazia uns movimentos com os braços para conseguir me acordar do transe, o que funcionou. Levantei meu olhar para focar nele e ele finalmente parou de mexer os braços.

—O sinal já tocou faz uns quinze minutos, não vai conseguir entrar na aula.—Jamie avisa, recuperando seu fôlego e se jogando no pufe ao meu lado. Uma parte de mim ficou nervosa por ser ele ali, mas consegui me segurar. Entretanto, o suor gelado escorrendo pelas minhas costas foi inevitável.—Que matéria era agora?—Pergunta, me olhando de lado, enquanto apoiava sua cabeça em suas mãos que estavam em formato de X atrás.

—Acho que literatura...—Digo, fechando o livro com todo o cuidado do mundo e respirando fundo para não gaguejar.—Não importa mesmo, já sei a matéria que o professor ia dar e ele me adora, então acho que não tem problema eu faltar um dia. Percebo que minha coluna começa a reclamar pela postura que eu estava, então procuro me ajeitar antes que doa mais.

—Por acaso você tem um vício em ler?—Jamie tenta ser engraçado fazendo uma pergunta dessa. Dou uma risada e tento não parecer falsa, já que eu achei muito sem graça.

—Eu não diria que é um vício mas sim uma admiração. Como pode alguém colocar em palavras as coisas e situações imaginárias? Eu acho incrível, mas acho que nunca conseguiria escrever um livro. Não escrevo nem uma redação direito, imagina um livro com mais de duzentas páginas?—Digo, tentando amenizar a tentativa de piada mal feita por ele. Jamie só concorda comigo, logo falando que tinha mais três prateleiras cheias para organizar, então ele se despediu de mim e o vi desaparecer no meio de tantos livros.

Finalmente soltei o ar que nem percebi que prendia, não acredito que tive uma conversa com ele! Ás vezes, quando o nervosismo é grande, não consigo nem dar um oi sem gaguejar, não sei da onde eu tirei forças para falar com ele sem ao menos enrubescer. Certamente um demônio tomou conta do meu corpo porque não é possível. O que esse garoto faz comigo? Será que Jeremy agora tem um concorrente...?

Enfim, após todo esse surto mental que tive, ouvi o sinal tocar novamente e essa foi a minha deixa para passar na secretaria da biblioteca e alugar o livro. A bibliotecária antiga sempre foi simpática comigo, mas ela tirou licença maternidade e não está trabalhando, assim como toda história tem a bruxa boa, a bibliotecária nova era a bruxa má. Me olhava feio,  era muito grossa comigo e simplesmente não suportava me ouvir, a antipatia em pessoa. Como sou bem desligada ás vezes, não percebi que era ela que estava validando as fichas de empréstimo de todos os livros. Como não tinha quase ninguém no local, não enfrentei fila e, com muita insistência consegui com que a bruxa má validasse minha retirada. Mas como nem tudo é um mar de rosas, percebi logo que após eu me retirar da biblioteca, ela me xingou entre os dentes.

Desci para o andar onde estão localizadas minhas salas e entrei no laboratório de química. Quando acabou todas as aulas, marcava direitinho duas da tarde, então corri para minha casa e, no caminho, encontrei Jamie amarrando seu all star encostado em sua bicicleta. Não dei muita atenção mas depois de três quadras ele me alcançou e parou de repente na minha frente.

—O que você tá fazendo?!—Pergunto, me recuperando do susto que eu levei.



1997Onde histórias criam vida. Descubra agora