Tyra
A distância entre nosso vilarejo e a capital de Arthlan são em média dois dias de viagem, mas a distância que acabo de criar entre mim e Kalista parece tão vasta quanto o céu noturno que nos acoberta essa noite. Desde nossa partida, a algumas boas horas atrás, Kali não tem me dirigido uma palavra, sequer um olhar, estamos na mesma carruagem de viagem, que apesar de confortável não é tão espaçosa assim, mas ela parece encontrar muitos pontos aleatórios para onde direcionar sua total atenção. E eu não tinha direito algum de reclamar, eu havia agido como uma traidora ao planejar, com nossos pais, o acordo de casamento de Kali sem que ela soubesse. Sei que aos seus olhos agora sou uma raposa traiçoeira, uma mentirosa de primeira, Kali não havia me dado um segundo para que pudesse me explicar, pois veja bem, por mais que eu a quisesse junto de mim por tipo, muito tempo, eu sabia que um casamento era tipo, a última coisa aceitável para Kali, que ela preferia morrer a ter que ver sua via presa a um completo estranho... certo, talvez eu tenha exagerado agora, mas enfim, eu tive bons motivos, tipo, papai e mamãe não fizeram um acordo de casamento por capricho, eles tiveram as razões deles, razões estas que papai havia me jurado contar para Kali. Mas sei que isso não bastaria, eu deveria conversar com ela pessoalmente, explicar que eu não era tão raposa assim, mas ela não queria papo.
Eu esperava com todas minhas forças, que ela se cansasse de me dar esse gelo, sem trocadilhos pois Kali não é... volátil como eu, mesmo que suas emoções estejam fora de controle, seu poder elemental não "vaza" como o meu, ah, sim, Kali já teve uns episódios de... "descontrole", algo que nem se compara comigo, pois seu descontrole era totalmente controlado, e terrivelmente assustador... espero que nunca se repita. Enfim, eu não suportaria ficar nesse clima péssimo com minha irmã e companheira, eu teria que fazer algo.
Sentada de frente para mim no assento acolchoado da carruagem de viagem, Kali estava absorta em um livro que havia pegado na biblioteca de nossa casa pouco antes de partirmos, ela não usava seus óculos, pode parecer contraditório, mas ela nunca os usava para estudar, até porque a função deles não era fazê-la enxergar melhor. Seu longo cabelo estava preso em um rabo de cavalo, não havia nada escondendo seus olhos de minha visão, então através deles pude constatar que ela estava realmente calma, seus olhos estavam verdes novamente, eles haviam passado grande parte desse meio tempo em dois tons amarelo e laranja. Sentimento de traição/tristeza e irritação, mas agora que o baque da notícia já havia passado e ela provavelmente já estava fazendo planos de como ficar longe de mim na corte e coisas assim.
Parecendo ciente de meu olhar sondador, Kali finalmente levou seu olhar ao meu, infelizmente um olhar verde amarelado.
Desde o dia em que papai trouxe uma Kalista de cinco anos para casa e dissera que a partir daquele momento ela seria nossa irmã, eu a aceitei. Tipo, não houve drama, não fui egoísta quando papai pedira para eu compartilhar minhas coisas com ela no início até que ele comprasse novas, senti nenhum tipo de ciúme infantil quando em vez de me vir me contar histórias antes de dormir, ele ficava no quarto de Kali contando as histórias para ela até que a mesma caísse no sono, preocupada que ela pudesse ter medo do escuro ou algo do tipo, pedi que papai deixasse dividíssemos o mesmo quarto(depois de alguns anos percebi que não podíamos continuar com isso, ela acordava cedo demais, ughh), eu não participava das pegadinhas que Tyler e Derek faziam contra ela por a achar quieta demais, eu os impedia quando podia e tentava intermediar uma boa relação entre eles. Nossa relação não era perfeita, quando as diferenças mais gritantes começaram a aparecer, os conflitos começaram também, mas nunca foi nada sério, ficávamos emburradas uma com a outra por o que? Uma tarde? Eu era sua irmã favorita e ela era minha e o mundo girava perfeitamente em seu eixo.
Em nosso tempo livre, explorávamos nossa habilidades uma com a outra, o que era interessante pois eram totalmente opostas. Certo dia decidi que iria catalogar as cores de Kali, depois que percebemos que seus olhos mudavam de acordo com seu humor, decidi que iria observá-la de perto. Como Kali era quieta e não muito emotiva, tive que pedir ajuda ao meninos, que muito felizes em "provocar emoções", concordaram em ajudar, acho que as duas semanas de estudo que se passara havia sido a mais turbulenta da infância de Kali, mas eu consegui o que queria.
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Fragmentada: Reino de Pesadelos
FantasyEm um reino mágico onde a linha de sucessão se dá pelo filho mais poderoso, não importando se este é bastardo ou não, a disputa pelo título de príncipe herdeiro entre Kayn e Dorian, os dois filhos mais velhos do rei, parece ter chegado ao fim quando...