"'Normalmente eu tinha pesadelos fantásticos, em alguns eu viajava a lua, perseguia um coelho até sua toca e caia em um buraco...mas tinha um recorrente. Nele um príncipe amaldiçoava todo um reino e afogava seu irmão no poço de uma floresta. E o mais estranho desse pesadelo é que eu nunca tinha a sensação de paz quando você acorda de um, a aflição sempre me seguia até nos sonhos bons. "
Alice no Pais das Maravilhas era meu livro favorito, e eu também adorava escrever, aprendi tudo lendo e tanto meus sonhos quanto os pesadelos me inspiravam a escrever.
Certa vez deixei sob a cama um de meus diários com um conto, na época que eu dividia o quarto com os outros rapazes. E Agnus Balmer, um garoto gorducho de 12 anos achou um de meus manuscritos e o espalhou pela casa... rasgando todas as paginas e picando o papel pelo chao do quarto. Quando eu voltei das tarefas impostas pela Srta. Annie todos os meninos estavam aglomerados no quarto, uns riam, outros se empurravam e os demais fazia guerra de travesseiros enquanto Agnus recitava sarcasticamente um trecho do meu livro.
" Eis que o amor nunca pode salvá-la de seu destino"
Ao me verem entrar no quarto todos pararam e me encararam assustados. Agnus tomou a frente e questionou:
- Então, Lozert...é você que fica escrevendo esses contos mirabolantes sobre reis? Qual vai ser o próximo passo? Fazer uma peça no teatro - disse ele jogando o restante do diário no meu peito e rindo
Nessa hora meu sangue fervia. Todos os meninos gargalhavam.
- É disso que eu falo, garotos! Esses artistas só colocam coisas ruins nas nossas cabeças e cabe a nós leva-los ao Estado!- bradou
- O que está acontecendo aqui! - indagou Annie.
- Lozert está puxando confusões com o Agnus e com todos nós- respondeu um menino ao fundo.
- Isso é verdade, Lozert? - questionou ela, já sabendo a resposta e olhando meu diário rasgado em mãos.
Ela ficou calada por uns instantes e disse
- Todos vocês, arrumem essa bagunça, Jonh e Agnus, venham até minha sala. - E deu as costas
- Mas Srta. Annie, quem começou foi ele! - indagou Agnus falsamente - Eu estava aqui tranquilamente quando começaram os xingamentos.
Nessa época eu não falava muito, vai ver era um bloqueio ou algo do tipo. Mas umas palavras não saiam da minha cabeça '' Mentiroso!, Mentiroso! Mentiroso!" e com elas uma raiva nuca antes sentida.
Ele continuou:
- Sinceramente, queria saber porquê insiste em deixar ele aqui com a gente! Ele é doente, somos normais e...vai que ele transmite alguma coisa - Cada palavra que saia de sua boca era um prego em seu caixão. A escrivaninha atras de mim começou a vibrar, e o barulho dela batendo na madeira chamava atenção de todos, exceto de Agnus que seguia se defendendo. - Alias, se nós o denunciarmos as autoridades, vão com certeza achar um trabalho e lugar melhor para e falo pelo bem de todos e do nos...
O pobre garoto foi interrompido por uma das gavetas que voou de maneira sorrateira em seu rosto. O barulho do nariz e dente quebrando foi estranhamente delicioso...mas eu não esbocei reação alguma.
Annie ficou boquiaberta e pálida, as demais crianças se afastaram de mim e Agnus que estava derrubado com uma pequena poça de sangue ao lado da gaveta, que por sinal tinha ficado intacta.
Ninguém mais me queria por perto, de certa forma eles pensavam que eu fosse um bruxo ou um demônio, de certa forma algo incomum havia feito aquilo, só não sabia quem ou o quê era.
A tragedia me acompanhava desde o dia que nasci, poucos que se aproximavam de mim ficavan por muito tempo. E meus dias estavam contados naquele lugar e os rumores eram que iam me levar para trabalhar em campos de concentração do governo. Nunca soube direito o que era...mas algo me dizia que não era nada bom
E assim foi que eu consegui meu passe livre para o sótão. Acredite, não há nada ruim que não possa piorar.
Até que por ironia do destino, piorou.
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Jonh Lozert e O Herdeiro de Gólgota
Historical FictionDurante a Segunda guerra mundial, o jovem Jonh, um refugiado na Inglaterra, encontra-se totalmente desamparado após sua cidade ser destruída por um ataque aéreo. Sozinho ele se vê em um mundo dividido entre a ficção dos seus sonhos e a realidade.